LOUISE
É Nell quem me alerta primeiro, quando aparece na corte, um dia, toda vestida de preto. À espera de uma repetição da piada do Cã da Tartária, não digo nada.
– Por quem está de luto, Nell? – pergunta alguém por fim, dando-lhe a deixa.
– Por ninguém – diz ela, naquele seu sotaque nasal característico. – Estou de luto pelas ambições de madame Carwell, que morreram e foram enterradas, agora que a duquesa de Mazarin chegou.
Arrebito as orelhas ao ouvi-lo – não os disparates de Nell, mas o título. Mazarin… já ouvi esse nome antes, um mexerico qualquer dos meus dias em França.
E depois lembro-me. Algo que Madame disse uma vez, quando falava sobre o irmão.
Ele apaixonou-se por uma beleza italiana chamada Hortense Mancini, mas foi nos dias do seu exílio e o tio dela, o cardeal, considerou que ele era um candidato demasiado fraco. Portanto agora está casado com Catarina de Bragança e Hortense anda a escandalizar toda a Europa como duquesa Mazarin…
Um amor que ele não conseguira alcançar. Uma velha paixão. Muito inteligente, penso. Pergunto-me qual dos meus inimigos a terá trazido para Inglaterra. Estou disposta a apostar todas as minhas consideráveis pensões em como não aconteceu por acaso.
Claro que estou certa. Algumas perguntas discretas feitas pelas pessoas que estão do meu lado, e rapidamente se torna evidente o que está de facto a acontecer.
Mazarin deixou o marido e desbaratou todo o seu dinheiro. Desde então, tem andado a viver à conta de vários amantes ricos – de ambos os sexos, dizem – em várias partes da Europa; agora, depois de Montagu lhe dizer que talvez haja uma vaga em Inglaterra para a posição de amante do rei, foi enviada para cá às custas dele. Ela tem um grande ódio pela França: acha que Luís devia ter obrigado o marido a devolver-lhe o dote.
Sei tudo isto antes de a conhecer. Estou preparada para uma mulher astuta – sabendo que ela é irmã de Olympe de Soissons, suponho que estou à espera de uma coisinha roliça, bonita e maliciosa.
Céus, como uma pessoa se pode enganar.
Vejo-a pela primeira vez a caminhar no Parque de St. James, ao nascer do dia, com Anne Fitzroy ao seu lado, a condessa de Sussex, de quinze anos de idade. Veste roupas de homem, mal-arranjadas: tem duas espadas casualmente presas debaixo do braço e na outra mão leva máscaras de esgrima. Quando se aproxima, vejo-a melhor e quase fico paralisada.
Ela é linda. Absoluta e perfeitamente bela.
Há uma claridade simples no seu rosto, uma inteligência, que me faz querer gostar dela imediatamente. É alta, esguia, de pernas compridas como um homem, mas no seu passo há uma graciosidade, uma flexibilidade, que é totalmente feminina.
Ao ver-me, ela pára também, à espera de ser apresentada. Sinto o sangue a latejar nos ouvidos.
– Olá, Annie – digo, à rapariga ao lado dela.
– Olá – responde ela. Uma breve pausa. – Posso apresentar-lhe a duquesa Mazarin? – acrescenta, um pouco amuada por ter de partilhar esta mulher que, obviamente, idolatra.
Hortense e eu trocamos reverências, ao estilo francês.
– Vejo que esteve a praticar esgrima – digo, para quebrar o gelo, mas tudo o que quero é regalar os olhos nela, na frescura natural do seu rosto.
Os olhos dela iluminam-se e, de súbito, fica ainda mais bela.
– Também pratica?
– Infelizmente, não…
– Temos estado a lutar pela minha honra – intervém lady Anne.
– Céus, isso parece perigoso.
– Estou a ensiná-la a defender-se – diz Hortense com um sorriso. – Nunca se sabe quando poderá ser preciso.
A rapariga pega numa das espadas e faz alguns passes no ar. Hortense coloca-se instantaneamente na posição de en garde, graciosa como um gato, e defende os golpes amadores de Anne com três gestos casuais da espada.
– Nunca aprendi esgrima – digo.
– Posso ensinar-lhe também, se quiser – diz Hortense, em tom franco, sem tirar os olhos da espada de Annie. – Depois podemos travar um duelo. Seria divertido, não seria?
Talvez esteja a tentar desarmar-me, mas não sinto qualquer maldade nela: sou apenas um obstáculo no seu caminho. Talvez nem sequer isso. Deve estar habituada ao facto de todos os homens que conhece se apaixonarem por ela. E as mulheres, também. As outras mulheres – esposas, amantes – não são verdadeiramente rivais. Pode dar-se ao luxo de não ter de se esforçar, de não ter de lutar por aquilo que quer.
Claro que Carlos sucumbirá. Claro que dirá a si próprio que tem de possuir esta mulher extraordinária, tal como em tempos disse a si próprio que tinha de me possuir. A cura para a sua impotência é o namoro: na batalha para a possuir, descobrirá o seu vigor perdido.
Tudo o que posso fazer é ser paciente e ter esperança de que, depois, volte à minha cama, em vez de ser impotente na cama dela.
Tenho a minha estratégia. Um jogo de espera. É a abordagem correcta, tenho a certeza disso. Contudo, nestas manhãs, quando me levanto da cama e me sento em frente do espelho para começar os trabalhos necessários no meu rosto, sinto um grande cansaço, como se mal tivesse dormido. Como se o esforço de colocar os meus vestidos deslumbrantes, as minhas jóias, os meus colares de pérolas e os meus broches de safiras fosse mais do que consigo suportar.
No entanto, continuo a fazê-lo. Não me deixei vencer pela odiosa e vulgar Nell Gwynne, e não serei vencida pela encantadora e educada Hortense Mancini.
Assim, pinto o meu rosto, penteio o cabelo, delineio os olhos. Para quê? O rei raramente me procura, ultimamente. Quando a corte se muda para Newmarket, como de costume, para as corridas de Primavera, o seu mordomo nem sequer me atribui alojamento. Quando pergunto a Carlos, com um sorriso, se se esqueceu de mim, ele diz, genuinamente surpreendido:
– Pensei que preferisse ficar em Londres, querida buchinha, e governar o país por mim enquanto estou fora.
Tornei-me uma espécie de segunda esposa, tão esquecida como a rainha. Fico em Londres e governo o país. Chega-me a notícia de que, em Newmarket, Hortense Mancini acorda cedo todas as manhãs para montar os cavalos mais rápidos e perigosos.
Ninguém parece saber ao certo se ela e o rei já são amantes. Anne Sussex tem os aposentos por cima dos do rei, onde Hortense a visita; diz-se que o rei a visita também, mas ninguém sabe exactamente o que se passa lá. O embaixador acredita que a duquesa está a ter um caso com lady Anne e que o rei está a conter-se apenas por esse motivo. Outros pensam que é tudo um jogo, para incendiar o seu desejo.
Eu continuo a planear o meu baile. Talvez, nessa altura, ela já cá não esteja.
Outro poema, enfiado por baixo da minha porta.
Parece-me que a vejo, acabada de acordar
Da sua cama bordada, depois de mijar;
Com expressão estudada e muitas caretas
Colocar-se perante o espelho
Para apagar e alisar a beleza
Que desapareceu nos enlaces nocturnos.
Rochester, claro; está de volta à corte, odioso como sempre. Diz-se que, enquanto esteve banido da corte, escreveu uma peça chamada Sodoma que ultrapassa em torpeza tudo o que os próprios romanos escreveram. Há cenas que envolvem seis homens e seis mulheres, dildos, sodomia e o resto. Foi encenada uma representação privada para Carlos e um grupo seleccionado dos seus amigos libertinos. Um presente para excitar a virilidade minguante de um rei.
– A verdade – diz o embaixador –, é que estamos a entrar numa fase delicada.
Esforço-me por lhe prestar atenção. Courtin, é o seu nome. Um homem pequeno, elegante, discreto. Ruvigny, ao que parece, pediu demissão. «Um tráfico nojento», foi como ele resumiu esta corte de Inglaterra.
A visão dos Franceses a distribuírem subornos, dizem, repugnou-o ainda mais do que a visão dos Ingleses a aceitarem-nos.
– Delicada porquê?
– Sua Majestade Cristã está inclinado a procurar a paz. Como medida temporária, compreende? Uma retirada estratégica. Os seus negociadores estão a reunir-se em Nimeguen neste preciso momento.
– O que tem isso a ver com Hortense Mancini?
– O maior trunfo de Sua Majestade nas negociações ainda é a aliança com Inglaterra. Se se soubesse lá fora que Carlos a pôs de lado e introduziu na sua cama uma inimiga de França…
– Ele não me porá de lado – digo. – A minha posição está mais segura do que nunca. Em breve, toda a Europa falará do meu baile. Do meu palácio de gelo. Da minha festa de aniversário para o rei.
Ele sorri friamente. Ambos sabemos que é agora muito mais do que uma festa de aniversário.