16. SEXTA-FEIRA 11 DE MAIO TERÇA-FEIRA 31 DE MAIO


Mikael Blomkvist deixou a redação da Millennium às dez e meia da noite de sexta-feira. Desceu até o térreo, mas, em vez de sair para a rua, virou à esquerda no hall de entrada, atravessou o porão, subiu até o pátio interno e saiu na Hõkens gata, passando pelo prédio vizinho. Cruzou com um grupo de jovens que saíam da Mosebacke, mas ninguém prestou atenção nele. Se por acaso alguém o estivesse vigiando ia achar que ele estava passando a noite na redação, como de costume. Ele estabelecera esse esquema em abril. Na verdade, era Christer Malm que ficava à noite de plantão na redação.

Por uns quinze minutos, passeou pelas ruazinhas e vielas dos arredores de Mosebacke, antes de rumar para o número 9 da Fiskargatan. Entrou depois de digitar o código de acesso e subiu a pé até o apartamento lá do alto, usando as chaves de Lisbeth Salander para abrir a porta. Desligou o alarme. Ainda se sentia perturbado quando entrava naquele apartamento de vinte e um cômodos, dos quais apenas três estavam mobiliados.

Preparou café e sanduíches antes de entrar no escritório de Lisbeth e ligar o PowerBook.

Desde meados de abril, quando o relatório de Bjórck havia sido roubado. Mikael percebera que estava sendo vigiado, ele montara seu quartel-general particular no apartamento de Lisbeth. Transferira para lá toda a documentação importante. Passava várias noites por semana no apartamento, dormia na cama de Lisbeth e trabalhava no computador dela. Lisbeth apagara todos os dados antes de ir para Gosseberga acertar as contas com Zalachenko. Mikael achava que ela provavelmente não tivera a intenção de voltar. Ele usara os HDS de Lisbeth para pôr a máquina em funcionamento outra vez.

Desde abril ele não usava seu próprio computador com ADSL. Usava a conexão de Lisbeth, abria o ICQ e se comunicava com o número que ela criara para ele e lhe passara através do grupo Yahoo [Tavola-Biruta].

[Oi, Sally.]

[Fala.]

[Mexi nos dois capítulos sobre os quais discutimos durante esta semana. Você pode encontrar a nova versão no Yahoo. E com você, em que pé estão as coisas?]

[Terminei dezessete páginas. Estou postando agora no Tavola-Biruta.]

Pling.

[O.k. Peguei. Deixe eu dar uma lida, depois a gente conversa.]

[Tenho mais uma coisa. 1

[O quê

?

[Criei um grupo Yahoo chamado Os-Cavaleiros.] Mikael sorriu.

[O.k. Os Cavaleiros da Távola Biruta.]

[Senha yacaracal2.]

[O.k.]

[Quatro membros. Eu, você, Praga e Trinity.]

[Seus misteriosos amigos da internet.]

[Estou me protegendo.]

[O.k.]

[O Praga pegou informações do computador do procurador Ekstrõm. A gente já tinha pirateado a máquina em abril.]

[O.k.]

[Se eu perder meu computador de bolso, ele te manterá informado.]

[Certo. Obrigado.]


Mikael se desconectou do ICQ e entrou no novo grupo Yahoo [Os-Cavaleiros]- A única coisa que encontrou foi um link de Praga para um endereço http anônimo, composto de apenas oito algarismos. Copiou o endereço no Explorer, deu Enter e entrou imediatamente num site de 16 gb em algum lugar da internet, e que constituía o disco rígido do procurador Richard Ekstrõm.

Praga aparentemente facilitara as coisas para si mesmo copiando todo o disco rígido de Ekstrõm. Mikael passou uma hora selecionando o conteúdo. Rejeitou arquivos de sistema, programas e uma imensa quantidade de inquéritos preliminares que pareciam remontar a vários anos. Por fim, baixou quatro arquivos. Três tinham os nomes [INQPRELIM/SALANDER], [LIXEIRA/SA-LANDER] e [INQPRELIM/NIEDERMANN]. O quarto era uma cópia dos e-mails recebidos pelo procurador Ekstrõm até as catorze horas do dia anterior.

— Obrigado, Praga! — disse Mikael Blomkvist em voz alta, no apartamento vazio.

Passou três horas lendo o inquérito preliminar de Ekstrõm e sua estratégia para o processo de Lisbeth Salander. Como era de se esperar, muita coisa girava em torno de seu estado mental. Ekstrõm pedia um exame psiquiátrico aprofundado e enviara um bom número de e-mails mandando que fosse transferida para a casa de detenção de Kronoberg o quanto antes.

Mikael constatou que as investigações de Ekstrõm para encontrar Niedermann pareciam estar marcando passo. Bublanski era quem comandava as buscas. Ele conseguira juntar uma documentação técnica acusando Niedermann do assassinato de Dag Svensson e de Mia Bergman, assim como do assassinato do Dr. Bjurman. O próprio Mikael Blomkvist contribuíra com boa parte daquelas provas nos três longos interrogatórios a que fora submetido em abril, e seria obrigado a testemunhar caso Niedermann fosse preso. O DNA identificado em alguns pingos de suor e dois fios de cabelo colhidos no apartamento de Bjurman puderam finalmente ser associados com o DNA colhido no quarto de Niedermann em Gosseberga. Uma grande quantidade do mesmo DNA também havia sido encontrada no corpo do consultor financeiro do MC Svavelsjõ, Viktor Gõransson.

Em compensação, surpreendentemente, Ekstrõm possuía poucas informações sobre Zalachenko.

Mikael acendeu um cigarro e, enquanto fumava, virou-se para a janela a fim de contemplar a vista sobre o Djurgárden.


Ekstrõm chefiava dois inquéritos preliminares, que haviam sido separados um do outro. O inspetor Hans Faste era a autoridade responsável nela investigação de tudo o que se referia a Lisbeth Salander. Bublanski tratava exclusivamente de Niedermann.

O mais natural teria sido Ekstrõm entrar em contato com o diretor-geral da Sapo assim que o nome de Zalachenko surgiu no inquérito preliminar para perguntar sobre a real identidade dele. Mikael não achou nenhum contato desse tipo entre os e-mails de Ekstrõm, nem em seu diário ou anotações. Em contrapartida, tudo indicava que ele tinha algumas informações sobre Zalachenko. Entre as anotações, Mikael encontrou algumas afirmações intrigantes.

O relatório sobre a Salander foi forjado. O original de Bjõrck não corresponde à versão de Blomkvist. Arquivado como confidencial.

Humm. Mais adiante, uma série de anotações sustentava que Lisbeth Salander tinha esquizofrenia paranóica.

Foi certo internar Salander em 1991.

Em [LIXEIRA/SALANDER] Mikael encontrou aquilo que ligava um inquérito ao outro, ou seja, informações acessórias que o procurador julgava não estar associadas ao inquérito preliminar e que, por conseguinte, não seriam utilizadas no processo nem fariam parte das provas contra ela. Praticamente tudo o que se referia ao passado de Zalachenko estava ali.

Mikael tinha diante de si uma investigação lamentável.

Perguntou-se até que ponto tudo aquilo era acaso e até que ponto havia sido manipulado. Onde estava a fronteira entre as duas coisas? Ekstrõm teria consciência de que havia uma fronteira?

Ou alguém estaria fornecendo a Ekstrõm, de propósito, informações verossímeis porém enganosas?

Por fim, entrou no hotmail e passou os dez minutos seguintes consultando a meia dúzia de contas anônimas que havia criado. Todos os dias, religiosamente, ele dava uma olhada no endereço hotmail que havia fornecido à inspetora Sonja Modig. Não tinha muita esperança de que ela se manifestasse, por isso ficou agradavelmente surpreso ao abrir a caixa postal e encontrar um e-mail de viagemtrem9deabril@hotmail.com. A mensagem continha uma linha apenas.

[Café Madalena, primeiro andar, sábado 11 horas.]

Mikael Blomkvist meneou a cabeça, pensativo.

Praga entrou em contato com Lisbeth Salander por volta da meia-noite, interrompendo-a enquanto ela escrevia sobre sua vida na época em que Holger Palmgren era seu tutor. Irritada, olhou para a tela.

[O que você quer?]

[Trinity acertou tudo em tempo recorde.]

[Como?]

[O Sr. doutor dos doidos não para quieto. Fica o tempo todo indo de Uppsala para Estocolmo e não dá para fazer um hostile takeover.]

[Eu sei. Como ele conseguiu?]

[O Teleborian joga tênis duas vezes por semana. Duas boas horas. Deixou o computador no carro num estacionamento coberto.]

[Ha ha.]

[Trinity neutralizou facilmente o alarme do carro e pegou o computador. Bastou meia hora para copiar tudo via Firewire e instalar o Asphyxia.]

[Onde eu encontro o material?]

Praga deu o endereço http do servidor onde estava o disco rígido de Peter Teleborian.

[Como diz o Trinity... This is some nasty shit.)

[?]

[Dê uma olhada no disco rígido dele.]

Lisbeth Salander se despediu de Praga e procurou na internet o servidor que ele indicara. Passou as três horas seguintes verificando, um por um, os arquivos do computador de Teleborian.

Descobriu uma correspondência entre Teleborian e uma pessoa com Uma conta no hotmail que lhe enviava e-mails criptografados. Como ela tinha a chave PGP de Teleborian, não encontrou dificuldade em ler a mensagem.

Seu nome era Jonas, sem sobrenome. Jonas e Teleborian demonstravam um interesse anormal pelos problemas de saúde de Lisbeth Salander.

Yes... podemos provar que existe uma conspiração.

Mas o que mais interessou a Lisbeth Salander foram as quarenta e sete pastas com 8756 fotos pornográficas pesadas de crianças. Uma após outra ela abriu as fotos que mostravam crianças de uns quinze anos ou menos Algumas eram de crianças muito pequenas. A maioria, meninas. Várias fotos tinham um caráter sádico.

Descobriu links de pelo menos uma dúzia de pessoas de vários países que trocavam figurinhas sobre pedofilia.

Lisbeth mordeu o lábio inferior. No mais, seu rosto não demonstrava expressão nenhuma.

Lembrou-se de quando tinha doze anos e das noites em que ficava amarrada num quarto desprovido de estímulos sensoriais na clínica de psiquiatria infantil de Sankt Stefan. Teleborian nunca deixava de ir até o quarto para contemplá-la à luz fraca do clarão que passava pela porta.

Ela sabia. Ele nunca encostara nela, mas ela sempre soubera.

Ela sentiu muita raiva de si mesma. Há muitos anos deveria ter cuidado de Teleborian. Mas se reprimira, tentando ignorar a existência dele.

Ela o deixara livre para agir.

Depois de alguns instantes, chamou Mikael Blomkvist pelo ICQ.

Mikael Blomkvist passou a noite no apartamento de Lisbeth Salander na Fiskargatan. Só desligou o computador às seis e meia da manhã. Adormeceu com as fotos pornográficas infantis ainda na retina e acordou às dez e quinze. Pulou da cama, tomou um banho e chamou um táxi, que foi apanhá-lo em frente ao Sõdra Teatern. Saltou na Birger Jarlsgatan às cinco para as onze e seguiu a pé até o Café Madalena.

Sonja Modig o aguardava diante de uma xícara de café preto.

— Oi — disse Mikael.

— Estou me arriscando muito — disse ela, sem cumprimentá-lo. Vou ser demitida e posso ser processada se alguém souber que me encontrei com você.

— Eu é que não vou contar para ninguém.


Ela parecia estressada.

__Um colega meu visitou recentemente o ex-primeiro-ministro ThorbVirn Fálldin. Foi em caráter pessoal, e ele também está correndo um sério risco.

— Entendo.

— Exijo, portanto, que o nosso anonimato seja preservado.

— Eu nem sei de que colega você está falando.

— Eu vou te contar. Quero que você prometa que vai protegê-lo como fonte.

— Tem minha palavra. Ela espiou o relógio.

— Você está com pressa?

— Estou. Vou me encontrar com meu marido e meus filhos na galeria Sture daqui a dez minutos. Meu marido acha que estou trabalhando.

— E o Bublanski não está sabendo.

— Não.

— O.k. Você e seu colega são minhas fontes e estão totalmente protegidos. Os dois. Isso vale até o túmulo.

— O meu colega é o Jerker Holmberg, que você conheceu em Gõteborg. O pai dele é um militante centrista e o Jerker conhece o Fãlldin desde menino. Foi visitá-lo em caráter particular para falar sobre o Zalachenko.

— Sei.

O coração de Mikael disparou.

— O Fãlldin parece ser um homem decente. O Holmberg contou sobre o Zalachenko e perguntou o que o Fãlldin sabia sobre a deserção dele. O Fãlldin não disse nada. Então o Holmberg falou que achamos que Lisbeth Salander foi internada na psiquiatria pelo pessoal que protegia o Zalachenko. O Fãlldin ficou revoltadíssimo.

— Entendo.

— O Fãlldin contou que o diretor da Sapo, na época, e um colega dele loram procurá-lo pouco depois de ele se tornar primeiro-ministro. Contaram Uma história extraordinária sobre um espião russo dissidente que tinha se refugiado na Suécia. Nesse dia, o Fálldin soube que esse era o segredo militar Úteis delicado da Suécia... imagine, em toda a Defesa sueca, não lhe chegava nem aos pés em termos de importância.

— Humm.

— O Fãlldin explicou que não sabia como administrar o caso. Acabava de ser nomeado e seu governo não tinha nenhuma experiência. Fazia mais de quarenta anos que os socialistas estavam no poder. Os homens responderam que as decisões cabiam a ele e que a Sapo se eximiria de qualquer responsabilidade caso ele consultasse seus colegas de governo. Isso foi muito desagradável para o Fãlldin. Ele simplesmente não sabia o que fazer.

— Certo.

— Por fim, o Fãlldin se sentiu obrigado a agir como aqueles senhores da Sapo sugeriam. Redigiu uma diretriz que outorgava à Sapo a guarda exclusiva de Zalachenko. Comprometeu-se a nunca mais falar sobre o assunto com ninguém. Ele nunca soube qual era o nome do dissidente.

— Entendo.

— Depois disso, o Fãlldin praticamente não ouviu mais falar no caso durante seus dois mandatos. Em compensação, fez algo muito sensato. Insistiu para que um secretário de Estado fosse posto a par de tudo para atuar como intermediário entre o gabinete do governo e os homens que protegiam o Zalachenko.

— Ah,é?

— Esse secretário de Estado era Bertil K. Janeryd. Hoje ele tem sessenta e três anos e é embaixador da Suécia em Haya.

— Só isso?

— Quando o Fãlldin se deu conta da gravidade desse inquérito preliminar, escreveu uma carta ao Janeryd.

Sonja Modig passou um envelope a Mikael, que o abriu e leu.

Caro Bertil,

O segredo que ambos guardamos durante meu mandato no governo esta sendo seriamente ameaçado. O indivíduo envolvido hoje está morto e não pode mais ser implicado. Em compensação, outras pessoas podem.

É de suma importância obtermos a resposta para algumas perguntas necessárias.

O portador desta carta trabalha oficiosamente e tem toda a minha confiança. Peço que ouça seu relato e responda às suas perguntas.

Faça uso desse seu incontestável poder de discernimento.

- Esta carta, portanto, faz menção ao Jerker Holmberg.

- Não. O Holmberg pediu ao Fãlldin que o nome dele não fosse citado.

Declarou expressamente que não sabia quem iria até Haya.

- Você quer dizer...

— Eu e o Jerker conversamos sobre isso. Já estamos tão mergulhados nesta história que precisaríamos é de um bote salva-vidas, e não de uma simples bóia. Não temos legitimidade para ir à Holanda conversar com o embaixador. Você, em compensação, pode fazer isso.

Mikael dobrou a carta e estava colocando-a no bolso do paletó quando Sonja Modig segurou sua mão. Apertou-a com força.

— Uma mão lava a outra — disse ela. — Depois vamos querer saber o que o Janeryd te contou.

Mikael fez que sim com a cabeça. Sonja Modig se levantou. Mikael deteve-a.

— Espere. Você disse que o Fãlldin recebeu duas pessoas da Sapo. Uma era o diretor. Quem era o colega dele?

— O Fàlldin só o viu aquela vez e não consegue lembrar o nome dele. Não foi feito nenhum registro. Ele se recorda de um homem magro com um bigode fino. Foi apresentado como chefe da Seção de Análise Especial, ou algo assim. Mais tarde, o Fãlldin olhou num organograma da Sapo e não encontrou a tal seção.

O clube Zalachenko, pensou Mikael.

Sonja Modig tornou a se sentar. Parecia medir as palavras.

— Certo — disse ela por fim. — Mas estou me arriscando a ir para o paredão de fuzilamento. Existe um registro que não ocorreu nem ao Fãlldin nem aos seus visitantes.

— Qual?

— O registro dos visitantes do Fãlldin no Palácio Rosenbad.

— E?

— O Jerker pediu para ver esse registro. É um documento oficial, mantido na sede do governo.

— E?

Sonja Modig hesitou mais uma vez.

— O registro indica apenas que o primeiro-ministro encontrou-se com o diretor da Sapo mais um colega, para discutir assuntos gerais.

— E há um nome?

— Sim, E. Gullberg. Mikael sentiu o sangue subir à cabeça.

— Evert Gullberg — disse ele. Sonja Modig parecia estar cerrando os dentes, levantou-se e saiu.

Mikael Blomkvist ainda estava no Café Madalena quando pegou o celular para reservar uma passagem aérea para Haya. O avião saía de Arlanda às 14h 50. Foi até a Dressman da Kungsgatan, onde comprou uma camisa e roupa de baixo, e em seguida à farmácia de Klara, onde adquiriu uma escova de dentes e outros produtos de higiene pessoal. Tomou o maior cuidado para não ser seguido quando correu para apanhar a van que levava ao aeroporto. Chegou dez minutos adiantado.

Às seis e meia da tarde, pediu um quarto num hotel desbotado a uns dez minutos a pé da estação central.

Passou duas horas tentando localizar o embaixador sueco e conseguiu contatá-lo por telefone por volta das nove horas. Recorreu a toda a sua capacidade de persuasão, destacando que o assunto era da mais alta importância e precisava ser discutido sem demora. O embaixador acabou cedendo e aceitou encontrar-se com Mikael no domingo, às dez da manhã.

Em seguida Mikael pediu um jantar leve num restaurante próximo do hotel. Foi dormir por volta das onze horas.

O embaixador Bertil K. Janeryd não estava muito loquaz enquanto servia o café em sua residência.

— Muito bem... O que seria tão urgente a este ponto?

— Alexander Zalachenko. O dissidente russo que chegou à Suécia em 1976 — disse Mikael, estendendo-lhe a carta de Fãlldin.

Janery pareceu estupefato. Leu a carta, soltando-a depois devagarinho. Mikael passou a meia hora seguinte explicando as questões centrais do problema e por que Fàlldin tinha escrito aquela carta.

— Eu... eu não posso falar sobre isso — disse Janeryd por fim.

Meneou a cabeça, levantando-se.

— É claro que pode.

— Não, só diante da Comissão Constitucional.

— E muito provável que o senhor tenha a oportunidade de fazer isso também. Mas a carta pede que o senhor use sua capacidade de discernimento.

— O Fàlldin é um homem decente.

— Não tenho a menor dúvida disso. E não estou querendo constranger o senhor nem o Fãlldin. Não é preciso revelar nenhum segredo militar que o Zalachenko eventualmente tenha contado.

— Não conheço segredo nenhum. Eu nem sabia que o nome dele era Zalachenko... Eu só conhecia o nome de guerra.

— Que era?

— Ele era chamado de Ruben.

— Muito bem.

— Não posso falar sobre isso.

— Mas é claro que pode — repetiu Mikael, acomodando-se melhor. — Daqui a pouco toda essa história vai se tornar pública. E, quando isso acontecer, ou a imprensa vai atacá-lo com tudo, ou vai tratá-lo como um funcionário honesto do Estado que fez o possível para consertar uma situação abominável. O senhor foi incumbido pelo Fãlldin de servir como intermediário entre ele e o pessoal que cuidava do Zalachenko. Isso eu já sei.

Janeryd balançou a cabeça.

— Fale sobre isso.

Janeryd permaneceu em silêncio por quase um minuto.

— Eles não me davam nenhuma informação. Eu era muito jovem... não sabia bem como administrar a situação. Estive com eles umas duas vezes por ano naquele período. Diziam que Ruben... Zalachenko estava bem de saúde, colaborando, e que as informações que ele passava eram valiosas. Nunca soube detalhes. Não precisava saber.

Mikael esperou.

— O dissidente tinha atuado em outros países e não conhecia nada da Suécia, motivo pelo qual nunca foi considerado uma prioridade pela nossa política de segurança. Informei o primeiro-ministro em duas ou três oportunidade, mas de modo geral não havia nada a dizer.

— Certo.

— Eles repetiam que ele estava sendo tratado como era de praxe nesses casos e que as informações fornecidas por ele seguiam o processo habitual através dos nossos canais regulares. O que eu podia dizer? Quando perguntava o que isso significava, eles sorriam e diziam que isso estava acima do meu nível de competência. Eu me sentia um idiota.

— O senhor nunca achou que havia algo estranho nessa história?

— Não. Não havia nada estranho. Eu partia do princípio de que o pessoal da Sapo sabia o que estava fazendo, que eles tinham a experiência e a prática necessárias. Mas não posso falar sobre isso.

A essa altura, Janeryd já estava falando havia vários minutos.

— Tudo isso não tem muita importância. Só uma coisa interessa no momento.

— O quê?

— O nome das pessoas com quem o senhor se encontrava. Janeryd interrogou Mikael com o olhar.

— Os homens que cuidavam do Zalachenko extrapolaram, e muito, suas funções. Envolveram-se em uma atividade criminosa grave e vão ser objeto de um inquérito preliminar. Por isso o Fãlldin me mandou aqui. O Fãlldin não sabe os nomes. Quem encontrava com essas pessoas era o senhor.

Janeryd piscou nervosamente e apertou os lábios.

— O senhor esteve com o Evert Gullberg... ele era o chefe. Janeryd concordou com a cabeça.

— Quantas vezes esteve com ele?

— Ele participou de todos os encontros, menos um. Foram uns dez encontros no período em que Fãlldin foi primeiro-ministro.

— E onde aconteciam esses encontros?

— No lobby de um hotel. Em geral, no Sheraton. Uma vez foi no Amaranten, em Kungsholmen, e algumas vezes no pub do Continental.

— E quem mais participava? Janeryd piscou com ar resignado.

— Foi há tanto tempo... Não lembro.

— Tente lembrar.

— Havia um... Clinton. Como o presidente americano.

— E o primeiro nome?

— Fredrik Clinton. Estive com ele quatro ou cinco vezes.

— Certo... mais algum?

— Hans von Rottinger. Eu o conhecia através da minha mãe.

— Da sua mãe?

— É, minha mãe conhecia a família Von Rottinger. Hans von Rottinger era um homem simpático. Antes de vê-lo de repente numa reunião com Gullberg, eu ignorava que ele trabalhava para a Sapo.

— Ele não trabalhava para a Sapo — disse Mikael. Janeryd empalideceu.

— Ele trabalhava para uma coisa chamada Seção de Análise Especial — disse Mikael. — O que lhe disseram sobre esse grupo?

— Nada... quer dizer, eram eles que cuidavam do dissidente.

— Sim. Mas admita que é esquisito eles não constarem no organograma da Sapo.

— E um absurdo...

— Não é? Como vocês marcavam as reuniões? Eram eles que ligavam ou o senhor?

— Não... a data e o local do encontro seguinte eram decididos na reunião.

— E se o senhor precisasse contatá-los? Para mudar a data do encontro, por exemplo?

— Eu tinha um número de telefone.

— Qual era o número?

— Sinceramente, não lembro.

— Era o número de quem?

— Não sei. Nunca usei.

— Certo. Outra pergunta: quem sucedeu ao senhor?

— Como assim?

— Quando o Fálldin renunciou. Quem ficou no seu lugar?

— Não sei.

— O senhor redigiu algum relatório?

— Não, era tudo confidencial. Eu não era sequer autorizado a fazer anotações.

— E o senhor nunca instruiu nenhum sucessor?

— Não.

— O que aconteceu então?

— Bem... o Fãlldin renunciou e passou o bastão para Ola Ullsten. Me disseram que teríamos de ficar afastados até as eleições seguintes. Então o Fãlldin foi reeleito e as reuniões foram retomadas. Em seguida, houve as eleições de 1985 e os socialistas ganharam. E suponho que Palme tenha indicado alguém para me suceder. Depois disso, comecei minha carreira diplomática no Ministério das Relações Exteriores. Estive no Egito, depois na Índia.

Mikael prosseguiu com as perguntas por mais alguns minutos, mas estava convencido de que já sabia tudo o que Janeryd tinha para contar. Três nomes.

Fredrik Clinton.

Hans von Rottinger.

E Evert Gullberg — o homem que matara Zalachenko.

O clube Zalachenko.

Agradeceu Janeryd pelas informações e pegou um táxi para voltar à estação. Só quando já estava acomodado no táxi é que enfiou a mão no bolso para desligar o gravador.

Às sete e meia da noite do domingo, já estava de volta ao aeroporto de Estocolmo.

Erika Berger contemplou, pensativa, a foto na tela. Ergueu os olhos e observou a redação semi-vazia do lado de lá do aquário. Aparentemente, ninguém demonstrava o menor interesse por ela, nem aberto nem dissimulado. Tampouco tinha motivo para achar que alguém da redação lhe desejasse algum mal.

O e-mail chegara um minuto antes. O remetente era redax@aftonbladet.com

Por que justamente Aftonbladet? Mais um endereço fajuto.

A mensagem de hoje não continha texto. Só uma imagem JPEG que ela abriu no Photoshop.

Era uma foto pornográfica de uma mulher nua com seios imensos e uma coleira de cachorro no pescoço. Estava de quatro e se deixando sodomizar.

O rosto da mulher tinha sido modificado. O retoque não estava muito bom, o que decerto nem era o objetivo. O rosto de Erika Berger havia sido colado no lugar do rosto original. A foto era a que lhe servia de assinatura na Millennium e podia ser baixada na internet.


Embaixo da foto, duas palavras tinham sido escritas com a ferramenta Aerógrafo do Photoshop.

Puta nojenta.

Era a nona mensagem anônima que ela recebia chamando-a de "puta nojenta" e parecia ter sido enviada por um grande grupo de comunicação sueco. Ela estava claramente sendo vítima de um ciberassédio.

As escutas telefônicas eram mais difíceis de instalar do que a vigilância de computadores. Trinity não tivera nenhuma dificuldade em localizar o cabo do telefone fixo do procurador Ekstrõm; o problema era que Ekstrõm nunca usava esse telefone, ou só usava raramente, para fazer ligações de trabalho. Trinity nem se esforçou para grampear o telefone de Ekstrõm no Palácio da Polícia de Kungsholmen. Para isso precisaria ter acesso à rede de cabos sueca, o que Trinity não tinha.

Em compensação, Trinity e Bob the Dog passaram praticamente a semana inteira rastreando o celular de Ekstrõm em meio aos ruídos de fundo de quase duzentos mil outros celulares num raio de um quilômetro em torno do Palácio da Polícia.

Trinity e Bob the Dog utilizaram uma técnica chamada Random Frequency Tracking System, a RFTS. Era uma técnica conhecida, desenvolvida pela americana National Security Agency, a NSA, e integrada a um número indeterminado de satélites que vigiavam, de modo pontual, focos de crise particularmente interessantes e capitais que ocorriam no mundo todo.

A NSA dispunha de imensos recursos e usava uma espécie de rede para captar uma quantidade grande de ligações por celular efetuadas simultaneamente num dado perímetro. Cada ligação era individualizada e passada digitalmente para programas criados com o objetivo de reagir a determinados termos, por exemplo, "terrorista" ou "kalachnikov". Se o termo era localizado, o computador enviava automaticamente um sinal, um operador entrava, escutava a conversa e decidia se ela tinha ou não algum interesse.

A coisa complicava quando era preciso identificar um celular específico. Cada celular tem sua assinatura exclusiva — como uma impressão digital —, que é o seu número telefônico. Com aparelhos extremamente sensíveis, a NSA conseguia focalizar determinada área, para distinguir e escutar chamadas feitas por celulares. A técnica era simples, mas não cem por cento segura. As ligações geradas eram especialmente difíceis de identificar, ao passo que as ligações recebidas eram mais fáceis, pois iniciavam com a própria impressão digital destinada ao aparelho chamado para que ele captasse o sinal.

A diferença entre as ambições de Trinity e da NSA em matéria de escuta telefônica era de ordem financeira. A NSA dispunha de um orçamento anual de vários bilhões de dólares, cerca de doze mil agentes em tempo integral e acesso a uma tecnologia de ponta incontestável em computação e telefonia. Trinity, por sua vez, dispunha de uma caminhonete contendo o equivalente a trinta quilos de equipamento eletrônico, boa parte dele feita em casa por Bob the Dog. Graças à sua vigilância global através de satélite, a NSA podia apontar suas antenas extremamente sensíveis para qualquer edifício de qualquer lugar do mundo. Trinity possuía uma única antena fabricada por Bob the Dog, com um alcance efetivo de cerca de quinhentos metros.

A técnica de que Trinity dispunha o obrigava a estacionar a caminhonete na Bergsgatan, ou numa rua próxima, e a muito custo calibrar seu equipamento até ele identificar a impressão digital representada pelo número do celular do procurador Richard Ekstrõm. Como Trinity não falava sueco, era obrigado a redirecionar as chamadas para outro celular, o de Praga, que se incumbia da escuta propriamente dita.

Durante cinco dias e cinco noites, um Praga de olhos cada vez mais fundos tinha escutado até a exaustão um número assustador de chamadas feitas para ou do Palácio da Polícia e nos prédios vizinhos. Ouviu fragmentos de investigações em andamento, gravou uma série de ligações contendo bobagens sem interesse. No quinto dia, tarde da noite, Trinity mandou um sinal que um mostrador digital identificou imediatamente como sendo o número do celular do procurador Ekstrõm. Praga bloqueou a antena parabólica na freqüência exata.

A técnica funcionava melhor para chamadas externas dirigidas a Ekstrõm. A parabólica de Trinity captou facilmente a busca do número de celular de Ekstrõm lançada aos céus da Suécia inteira.

Assim que Trinity começou a gravar as chamadas de Ekstrõm, conseguiu igualmente a impressão de sua voz, sobre a qual Praga pôde trabalhar.

Praga inseriu devagar a voz digitalizada de Ekstrõm num programa chamado VPRS, Voiceprint Recognition System. Em seguida, indicou uma dúzia de palavras empregadas com freqüência pelo procurador, como "combinado" ou "Salander". Assim que conseguiu reunir cinco exemplos de palavras diferentes, ele compilou o tempo necessário para pronunciá-la, sua altura e freqüência, a tônica final e mais uma dúzia de outros marcadores. Depois de obter, desse modo, uma representação gráfica, Praga passou a escutar também as ligações feitas pelo procurador Ekstrõm. Sua parabólica estava o tempo todo ligada, à espreita de uma chamada em que constasse exatamente o esquema gráfico de uma das palavras utilizadas com freqüência; elas eram doze no total. A técnica estava longe de ser perfeita, mas eles calculavam que cinqüenta por cento das ligações feitas por Ekstrõm pelo celular, dentro do Palácio da Polícia ou de algum local próximo, estavam sendo ouvidas e gravadas.

Infelizmente, a técnica tinha um sério inconveniente. Assim que o procurador Ekstrõm deixava o Palácio da Polícia, acabavam as possibilidades de escuta, a não ser que Trinity soubesse para onde ele ia e estacionasse a caminhonete nas proximidades.

Agora que dispunha de uma ordem vinda de cima, Torsten Edklinth podia criar uma unidade de intervenção, pequena sem dúvida, mas legítima. Selecionou a dedo quatro colaboradores, jovens talentos originários da polícia comum e recrutados pela Sapo havia pouco tempo. Dois haviam passado pela Brigada de Fraudes, um pela Brigada Criminal e outro havia cuidado de casos financeiros. Eles foram chamados à sala de Edklinth e informados sobre a natureza da missão e da necessidade de sigilo absoluto. Edklinth frisou que a investigação era um pedido expresso do primeiro-ministro. Rosa Figuerola era a chefe e conduzia os trabalhos com uma energia proporcional ao seu físico.

Mas a investigação avançava devagar, principalmente porque nenhum deles tinha muita certeza de quem era o alvo de suas pesquisas. Várias vezes, Edklinth e Figuerola pensaram em deter apenas Mârtensson, para interrogá-lo. Mas depois sempre optavam por esperar mais um pouco. Uma detenção tornaria pública toda a investigação.

Na terça-feira, porém, onze dias depois da conversa com o primeiro-ministro, Rosa Figuerola bateu à porta da sala de Edklinth.

— Acho que temos alguma coisa.

— Sente-se.

— Evert Gullberg.

— Sim?

— Um dos investigadores conversou com o Marcus Ackerman, que está chefiando a investigação sobre o assassinato do Zalachenko. Ackerman diz que a Sapo procurou a polícia de Gõteborg para informar sobre as cartas ameaçadoras de Gullberg duas horas depois do assassinato.

— Agiram rápido.

— E. Aliás, rápido demais. A Sapo passou para a polícia de Gõteborg, por fax, nove cartas cujo autor seria o Gullberg. Só tem um problema.

— Qual?

— Duas cartas eram endereçadas ao Ministério da Justiça: uma ao ministro da Justiça e outra ao ministro da Democracia.

— Sim, eu sei disso.

— Pois é, só que a carta para o ministro da Democracia foi registrada pelo ministério apenas no dia seguinte. Estava em outra leva.

Edklinth olhou fixamente para Rosa Figuerola. Pela primeira vez, temeu de fato que as suspeitas tivessem fundamento. Inflexível, Rosa prosseguiu:

— Em outras palavras, a Sapo mandou o fax de uma carta que ainda não tinha chegado ao destinatário.

— Meu Deus! — disse Edklinth.

— Foi um funcionário da Proteção à Pessoa que mandou o fax.

— Quem?

— Não acredito que ele tenha algo a ver com isso. Encontrou as cartas sobre sua mesa de manhã e, pouco depois do assassinato, pediram que ele contatasse a polícia de Gõteborg.

— Quem deu a ordem?

— O secretário do secretário-geral.

— Meu Deus, Rosa... Você percebe o que isso significa?

— Percebo.

— Significa que a Sapo está envolvida no assassinato de Zalachenko.

— Não. Significa, definitivamente, que algumas pessoas dentro da Sapo sabiam do assassinato antes de ele ser cometido. A questão é descobrir quem.

— O secretário-geral...

— Sim. Mas estou começando a achar que esse clube Zalachenko fica fora da casa.

— Como assim?

— O Mârtensson. Ele foi transferido do Serviço de Proteção à Pessoa e trabalha sozinho. Nós o mantivemos sob vigilância em tempo integral a semana toda. Até onde pudemos perceber, ele não teve contato com ninguém da casa. Recebe chamadas num celular que não conseguimos escutar. Não temos o número desse celular, mas de qualquer forma não é o dele. Ele se encontrou com um homem loiro que ainda não identificamos.

Edklinth franziu a testa. Nisso, Niklas Berglund bateu à porta. Era o colaborador da nova equipe de intervenção que tinha atuado em assuntos financeiros.

— Acho que descobri o Evert Gullberg — disse Berglund.

— Entre — disse Edklinth.

Berglund depositou uma fotografia amassada sobre a mesa. Edklinth e Figuerola observaram a foto. Os dois reconheceram imediatamente o lendário coronel espião Stig Wennerstrõm. Dois robustos policiais à paisana o conduziam através de uma porta.

— Essa foto, da editora Áhlén & Ákerlund, foi publicada na revista Se na primavera de 1964. Foi tirada durante o julgamento em que Wennerstrõm foi condenado à prisão perpétua.

— Ahã.

— Ao fundo, dá para ver três pessoas. À direita, o delegado Otto Danielsson, que foi quem prendeu o Wennerstrõm.

— Sim...

— Vejam o homem à esquerda, atrás do Danielsson.

Edklinth e Figuerola viram um homem alto, de bigode fino e chapéu. Parecia vagamente o escritor Dashiell Hammet.

— Comparem esse rosto com a foto de identificação do Gullberg. Ele tinha setenta anos quando tirou essa foto.

Edklinth franziu o cenho.

— Eu não me arriscaria a jurar que se trata da mesma pessoa...

— Mas eu sim — disse Berglund. — Vire a foto.

No verso, um carimbo indicava que a foto era propriedade da editora Ahlén & Akerlund e que o fotógrafo se chamava Julius Estholm. Havia um texto escrito a lápis. Stig Wennerstróm, ladeado por dois policiais, entrando no Tribunal de Instâncias de Estocolmo. Ao fundo, O. Danielsson, E. Gullberg e H. W. Francke.

— Evert Gullberg — disse Rosa Figuerola. — Da Sapo.

— Não — disse Berglund. — Do ponto de vista meramente técnico, ele não era. Pelo menos não quando essa foto foi tirada.

— Ah, é?

— A Sapo só seria criada quatro meses depois. Nessa foto, ele ainda era da polícia secreta do Estado.

— Quem é H. W. Francke? — perguntou Rosa Figuerola.

— Hans Wilhelm Francke — disse Edklinth. — Morreu no início dos anos 1990, mas foi diretor-adjunto da polícia secreta do Estado no final dos anos 1950 e início dos 1960. Era uma espécie de lenda, assim como o Otto Danielsson. Estive com ele uma ou duas vezes.

— Ah, sim — disse Rosa Figuerola.

— Ele deixou a Sapo no final dos anos 1960. Francke e P. G. Vinge nunca se deram bem. Imagino que ele tenha sido demitido quando estava com uns cinqüenta, cinqüenta e cinco anos. Abriu sua própria empresa.

— Sua própria empresa?

— É, ele virou consultor de segurança para a indústria privada. Tinha um escritório em Stureplan, mas de vez em quando também dava palestras nos cursos internos da Sapo. Foi assim que o conheci.

— Entendo. Que desentendimento foi esse entre o Vinge e o Francke?

— Eles não se suportavam. O Francke fazia o gênero caubói, enxergava agentes da KGB por toda parte, e Vinge era um burocrata da velha escola. Verdade é que Vinge foi demitido pouco depois. Era até engraçado, porque ele estava convencido de que o Palme trabalhava para a KGB.

— Humm — fez Rosa Figuerola, examinando a foto em que Gullberg e Francke apareciam lado a lado.

— Acho que chegou a hora de ter outra conversa com o Ministério da Justiça — disse Edklinth.

— Hoje saiu a Millennium — disse Rosa Figuerola. Edklinth lançou-lhe um olhar penetrante.

— Nem uma palavra sobre o caso Zalachenko — disse ela.

— Isso significa que temos, provavelmente, um mês pela frente até o nróximo número. É bom saber. Mas precisamos cuidar do Blomkvist. Ele está corno uma granada sem pino no meio de toda essa encrenca.


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