20. SÁBADO 4 DE JUNHO


Mikael Blomkvist desceu do ônibus em Slussen, pegou o elevador Katarina para subir até Mosebacke e em seguida rumou para o número 9 da Fiskargatan, subindo até o apartamento. Tinha comprado pão, leite e queijo no mercadinho em frente ao Conselho Geral e, antes de mais nada, guardou as compras na geladeira. Depois ligou o computador de Lisbeth Salander.

Após pensar um instante, ligou também seu Ericsson TIO azul. Deixou para lá o celular normal, já que, de todo modo, não queria falar com ninguém que não estivesse relacionado com o caso Zalachenko. Verificou que recebera seis chamadas nas últimas vinte e quatro horas, três de Henry Cortez, duas de Malu Eriksson e uma de Erika Berger.

Ligou primeiro para Henry Cortez, que estava num café da Vasastan e tinha umas coisinhas para lhe mostrar, mas nada urgente.

Malu Eriksson tinha ligado só para dar notícias.

Em seguida ligou para Erika Berger, mas estava ocupado.

Entrou no grupo Yahoo [Tavola-Biruta] e encontrou a versão final da biografia de Lisbeth Salander. Balançou a cabeça, sorrindo, imprimiu o documento e iniciou imediatamente a leitura.

Lisbeth Salander teclava no seu Palm Tungsten T3. Passara uma hora explorando a rede do SMP através da conta de usuário de Erika Berger. Nem entrara na conta de Peter Fleming, pois não precisava dos direitos de usuário. 0 que a interessava era ter acesso à administração do SMP e daí aos arquivos dos funcionários. E Erika Berger tinha esse direito de acesso.

Lamentava amargamente que Mikael Blomkvist não tivesse tido a gentileza de lhe repassar seu PowerBook, com um teclado de verdade e uma tela de dezessete polegadas, em vez do computador de mão. Fez o download de uma lista de todos que trabalhavam no SMP e se pôs ao trabalho. Eram duzentas e vinte e três pessoas, das quais oitenta e duas eram mulheres.

Para começar, eliminou todas as mulheres. Não que as mulheres estivessem isentas da loucura, mas as estatísticas demonstravam que a esmagadora maioria das pessoas que assediavam mulheres era homem. Restavam cento e quarenta e uma pessoas.

As estatísticas também indicavam que os Penas Podres eram, em sua maioria, adolescentes ou pessoas de meia-idade. Como não havia nenhum adolescente empregado no SMP, ela traçou uma curva de idade e eliminou todos os que tinham mais de cinqüenta e cinco anos e menos de vinte e cinco. Restavam cento e três pessoas.

Refletiu por um momento. Não dispunha de muito tempo. Talvez menos de vinte e quatro horas. Tomou rapidamente uma decisão. De uma ceifada só, eliminou todos os funcionários da distribuição, publicidade, imagem, manutenção e suporte técnico. Com isso, concentrou-se no grupo "jornalistas e equipe de redação" e obteve uma lista com quarenta e oito homens entre vinte e seis e cinqüenta e quatro anos.

Escutou o tilintar de um molho de chaves, desligou imediatamente o computador e o colocou debaixo do cobertor, entre suas coxas. Seu último almoço de sábado em Sahlgrenska acabava de chegar. Resignada, contemplou o refogado de repolho. Sabia que, depois do almoço, poderia trabalhar durante algum tempo sem ser interrompida. Enfiou o Palm na cavidade atrás do criado-mudo e armou-se de paciência enquanto duas africanas passavam o aspirador de pó e arrumavam sua cama.

Uma das moças, que se chamava Sara, deu-lhe dois cigarros. Sara passara alguns Marlboro light a Lisbeth durante aquele mês. Também lhe dera um isqueiro, que Lisbeth escondia atrás do criado-mudo. Lisbeth era-lhe grata por poder fumar na frente do sistema de ventilação, à noite, quando não havia mais perigo de ninguém aparecer.

A tranqüilidade só retornou por volta das duas da tarde. Lisbeth pegou o Palm e se conectou. Pensara inicialmente em voltar aos arquivos do SJVfP mas se lembrou que tinha seus próprios problemas para administrar. Efetuou a varredura diária, começando pelo grupo Yahoo [Tavola-Biruta]. Constatou que Mikael Blomkvist não aparecera com nenhuma novidade nos últimos três dias e se perguntou o que ele andava fazendo. Não me espantaria esse safado estar se divertindo com uma perua bem peituda.

Em seguida entrou no grupo Yahoo [Os-Cavaleiros] para conferir se Praga tinha deixado alguma contribuição. Nada.

Depois examinou o disco rígido do procurador Richard Ekstrõm (uma correspondência pouco interessante, relacionada com o julgamento por vir) e o do Dr. Peter Teleborian.

Cada vez que entrava no disco rígido de Teleborian, Lisbeth tinha a impressão de que sua temperatura corporal baixava alguns graus.

Deparou com a avaliação psiquiátrica legal sobre ela, que ele já redigira, mas que, claro, oficialmente não poderia estar escrita antes que ele a examinasse. Ele tinha aprimorado sua prosa, mas no geral não trazia nada de novo. Ela leu, um por um, todos os e-mails de Teleborian das últimas vinte e quatro horas, e quase deixou passar uma breve mensagem fundamental.

[Sábado, 15 horas no poço da estação central. Jonas.]

Merda. Jonas. Aparece num monte de e-mails para o Teleborian. Tem uma conta hotmail. Não identificado.

Lisbeth Salander olhou para o relógio digital sobre o criado-mudo. 14h28. Chamou imediatamente Mikael Blomkvist pelo ICQ. Não obteve resposta.

Mikael Blomkvist imprimira as duzentas e vinte páginas do manuscrito que já estavam prontas. Depois, desligara o computador e se instalara à mesa da cozinha de Lisbeth Salander com um lápis para corrigir as provas.

Estava satisfeito com a narrativa. Só que ainda havia um buraco imenso.

Como ele iria descobrir o resto da Seção? Malu Eriksson estava certa. Era possível. Ele não dispunha de tempo.

Frustrada, Lisbeth Salander resmungou um palavrão e tentou achar Praga no ICQ. Ele não respondeu. Ela olhou para o relógio. 14h30.

Sentou-se na beira da cama e tentou lembrar de outras contas do ICQ. Primeiro, tentou Henry Cortez, depois Malu Eriksson. Ninguém respondeu. Hoje é sábado. Eles não estão trabalhando. Olhou a hora. 14h32.

Em seguida tentou Erika Berger. Sem sucesso. Eu falei para ela ir para casa. Droga. 14h33.

Podia mandar uma mensagem de texto para o celular de Mikael Blomkvist..., mas ele estava grampeado. Mordeu o lábio inferior.

Por fim, virou-se desesperada para o criado-mudo e tocou a campainha para chamar a enfermeira. O relógio marcava 14h35 quando escutou a chave na fechadura. Uma enfermeira de uns cinqüenta anos, Agneta, apontou a cabeça.

— Oi. Algum problema?

— O doutor Anders Jonasson está no hospital?

— Você não está se sentindo bem?

— Eu estou bem, mas precisava falar com ele. Se possível.

— Eu vi o doutor Anders não faz muito tempo. Sobre o que seria?

— Preciso falar com ele.

Agneta franziu o cenho. A paciente Lisbeth Salander raramente chamava as enfermeiras, a não ser que estivesse com muita dor de cabeça ou algum outro problema sério. Nunca tinha criado caso e até então nunca havia pedido para falar com determinado médico. No entanto Agneta tinha reparado que Anders Jonasson se demorava com aquela paciente com mandato de prisão, que, aliás, costumava se mostrar fechada com as pessoas. Ele talvez tivesse conseguido estabelecer algum tipo de contato com ela.

— Está bem. Vou ver se ele está disponível — disse Agneta com gentileza, e fechou a porta. A chave. O relógio marcava 14h36, então passou para 14h37.

Lisbeth saiu da cama e se aproximou da janela. De tempo em tempo, dava uma olhada no relógio. 14h39. 14h40.

Às 14h44, ouviu passos no corredor e o tilintar do molho de chaves do vigia da Securitas. Anders Jonasson lançou-lhe um olhar inquisitivo e estacou ao ver o olhar desesperado de Lisbeth.

— Aconteceu alguma coisa?

— Está acontecendo neste exato momento. Você tem um celular?

— O quê?

— Um celular. Preciso fazer uma ligação.

Anders Jonasson deu uma espiada na porta, hesitante.

— Anders... Preciso de um celular. Agora!

Ele percebeu o desespero em sua voz, enfiou a mão no bolso e estendeu seu Motorola para Lisbeth. Ela praticamente o arrancou de suas mãos. Não podia ligar para Mikael Blomkvist, já que ele parecia estar sob escuta do inimigo. O problema é que ele não lhe passara o número do seu Ericsson sigiloso, o TIO azul. Não havia por quê, pois a princípio estava fora de questão ela ligar do isolamento de seu quarto. Lisbeth hesitou um décimo de segundo, então ligou para o celular de Erika Berger. Ouviu o telefone tocar três vezes antes de Erika atender.

Erika Berger estava na sua BMW, a um quilômetro de casa em Saltsjõbaden, quando recebeu uma chamada inesperada. E Lisbeth Salander já a surpreendera um bocado naquela manhã.

— Berger.

— Salander. Não dá tempo de eu explicar. Você teria o número do celular sigiloso do Mikael? O que não está grampeado?

— Tenho.

— Ligue para ele. Agora! O Teleborian vai se encontrar com Jonas às três da tarde no poço da estação central, sabe, aquela rótula grande aberta para os três andares.

— O que é...

— Ande logo. Teleborian, Jonas. Poço da estação central. Três horas. Ele só tem quinze minutos.

Lisbeth desligou o celular para que Erika não se visse tentada a desperdiçar segundos preciosos com perguntas inúteis. Olhou para o relógio quando ele estava justamente passando para 14h46.

Erika Berger freou e estacionou à beira da estrada. Inclinou-se para pegar caderninho de endereços da bolsa e o folheou procurando o número que Mikael lhe passara na noite em que tinham se encontrado no Samirs Gryta.

Mikael Blomkvist escutou o toque do celular. Levantou-se da mesa da cozinha, voltou ao escritório de Lisbeth Salander e pegou o celular em cima da mesa.

— Sim?

— Erika.

— Oi.

— O Teleborian vai se encontrar com o Jonas no poço da estação central às três horas. Você só tem alguns minutos para ir até lá.

— O quê? O quê?

— O Teleborian...

— Eu escutei. Como você sabe disso?

— Pare de discutir e se mande. Mikael espiou a hora. 14h47.

— Obrigado. Tchau.

— Pegou a mochila do laptop e desceu pela escada em vez de esperar pelo elevador. Enquanto corria, teclou o número do TIO de Henry Cortez.

— Cortez.

— Onde você está?

— Na livraria da universidade.

— O Teleborian vai se encontrar com o Jonas no poço da estação central às três horas. Estou voando para lá, mas você está mais perto.

— Puta merda! Estou indo.

Mikael foi correndo até a Gõtgatan e depois correu ainda mais rápido na direção de Slussen. Olhou para o relógio ao chegar, sem fôlego, a Slussplan. Rosa Figuerola estava certa ao insistir que ele deveria começar a correr. 14h56. Não ia dar tempo. Buscou um táxi com o olhar.

Lisbeth Salander estendeu o celular a Anders Jonasson.

— Obrigada — disse.

— Teleborian? — inquiriu Anders Jonasson. Acabará ouvindo o nome dele.

Ela assentiu com a cabeça e cruzou o olhar com Anders Jonasson.

— O Teleborian é perverso, você nem imagina o quanto.

— Não imagino. Mas vejo que alguma coisa a deixou agitada de um jeito que eu ainda não tinha visto nesse tempo todo em que cuidei de você Espero que saiba o que está fazendo.

Lisbeth dirigiu um sorrisinho enviesado a Anders Jonasson.

— Logo você vai ter a resposta para essa sua pergunta — disse ela.

Henry Cortez saiu da livraria universitária feito um louco. Na altura da ponte de Mãster Samuelsgatan atravessou a Sveavagen e seguiu reto para a Klara Norra, subindo pela Klaraberg e entrando na Vasagatan. Atravessou a Klarabergsgatan entre um ônibus e dois carros que buzinaram freneticamente e transpôs o portão da estação central às três horas em ponto.

Desceu pela escada rolante até o piso central, saltando de três em três degraus, e chegou correndo à banca de jornal, onde reduziu o passo para não chamar atenção. Examinou atentamente as pessoas que se encontravam nas proximidades do poço.

Não avistou Teleborian nem o homem que Christer Malm fotografara em frente ao Copacabana e que eles julgavam ser Jonas. Consultou o relógio. 15h01. Ele respirava como se acabasse de participar da maratona de Estocolmo.

Tentou a sorte e precipitou-se pelo saguão para sair na Vasagatan. Parou e olhou ao redor, examinando uma por uma as pessoas próximas. Nada de Peter Teleborian. Nada de Jonas.

Deu meia-volta e retornou à estação. 15h03. Estava tudo deserto para os lados do poço.

Então ergueu os olhos e, num relance, vislumbrou o perfil descabelado com cavanhaque de Peter Teleborian no instante em que ele saía da banca de jornal do outro lado do saguão. No momento seguinte, materializava-se ao lado dele o sujeito das fotos de Christer Malm. Jonas! Os dois atravessaram o hall e desapareceram na Vasagatan pelo portão norte.

Henry Cortez respirou. Enxugou o suor da testa com a palma da mão e orneÇ°u a seguir os dois homens.

Às 15h07, Mikael Blomkvist chegou de táxi à estação central de Estocolmo. Entrou imediatamente no saguão central, mas não avistou nem Teleborian nem Jonas. Nem Henry Cortez, por sinal.

Pegou seu TIO e ia ligar para Henry Cortez quando o telefone começou a tocar em sua mão.

— Achei os dois. Estão no pub Les Trois Hanaps, na Vasagatan, perto da descida para a linha de Akalla.

— Legal, Henry. E você, onde está?

— Estou no bar. Tomando uma cerveja. Merecida.

— Certo. Como eles me conhecem, vou ficar do lado de fora. Imagino que você não tem a menor condição de ouvir o que eles estão falando.

— Sem chance. Estou vendo as costas do Jonas, e o safado do Teleborian só está murmurando, nem dá para ver os lábios dele se mexerem.

— Entendo.

— Mas pode surgir um problema.

— Qual?

— O Jonas deixou a carteira e o celular em cima da mesa. E, junto, as chaves de um carro.

— Tudo bem. Eu cuido disso.

O celular de Rosa Figuerola emitiu o toque polifônico da trilha sonora de Era uma vez no Oeste. Ela largou o livro sobre os deuses na Antigüidade, que, aparentemente, nunca conseguiria terminar.

— Oi. E o Mikael. O que você está fazendo?

— Estou em casa separando umas fotos de ex-amantes. O último me abandonou covardemente hoje de manhã.

— Me desculpe. O seu carro está nas redondezas?

— Na última vez que eu olhei ele estava lá embaixo, no estacionamento.

— Ótimo. Que tal uma voltinha pelo centro?

— Não me atrai muito. O que aconteceu?

— Neste exato momento, o Peter Teleborian está tomando uma cerveja com o Jonas na Vasagatan. E como eu estou trabalhando em parceria com a Sapo e essa burocracia estilo Stasi, achei que talvez te interessasse vir até aqui...

Rosa já estava de pé apanhando as chaves do carro.

— Você não está de sacanagem comigo?

— Não exatamente. E o Jonas deixou as chaves de um carro em cima da mesa.

— Estou indo.

Malu Eriksson não atendeu o telefone, mas Mikael Blomkvist teve sorte e conseguiu falar com Lottie Karim, que estava na Âhléns comprando um presente de aniversário para o seu marido. Mikael lhe impôs umas horas extras e pediu que ela fosse com a maior urgência até o pub ajudar Henry Cortez. Depois ligou para Cortez.

— O plano é o seguinte. Vou estar com um carro no local daqui a cinco minutos. Vamos estacionar na Jãrnvâgsgatan, embaixo do pub.

— Certo.

— A Lottie Karim está chegando daqui a pouco para te ajudar.

— Ótimo.

— Quando eles saírem do pub, você cuida do Jonas. Vá a pé atrás dele e me diga, por celular, onde vocês estão. Assim que ele se aproximar de um carro, você me avisa. A Lottie vai cuidar do Teleborian. Se a gente não chegar a tempo, anote o número da placa.

— Combinado.

Rosa Figuerola estacionou em frente ao Nordic Light Hotel, próximo ao ônibus do aeroporto de Arlanda. Mikael Blomkvist abriu a porta do motorista um minuto depois.

— Em que pub eles estão? Mikael indicou.

— Preciso pedir reforços.

— Não se preocupe. Estamos de olho neles. Cozinheiros demais podem azedar o molho.

Rosa Figuerola fitou-o, desconfiada.

— E como você ficou sabendo desse encontro?

— Sinto muito. Fontes protegidas.

— Vocês têm seu próprio maldito serviço de informações na Millennium 0u o quê? — ela exclamou.

Mikael parecia satisfeito. Era sempre um prazer ganhar da Sapo no próprio terreno deles.

Na verdade, ele não fazia a menor idéia de como tinha sido possível Erika Berger ligar para ele, como um relâmpago riscando o céu azul, para avisar que Teleborian e Jonas iam se encontrar. Ela não tinha acesso ao trabalho da Millennium desde 10 de abril. É claro que sabia quem era Teleborian, mas Jonas só entrara em cena em maio e, até onde Mikael sabia, Erika não tinha noção da existência dele, muito menos que ele suscitava suspeitas tanto da Millennium como da Sapo.

Precisava ter uma conversa séria com Erika o quanto antes.

Lisbeth Salander deu um estalo com a língua e contemplou a tela do seu computador de mão. Após a ligação feita pelo celular do Dr. Anders Jonasson, deixara de pensar na Seção e se concentrara nos problemas de Erika Berger. Depois de muito ponderar, riscou todos os homens do grupo vinte e seis/cinqüenta e quatro anos que eram casados. Sabia que trabalhava com um espectro muito amplo e que não havia nenhum motivo racional, estatístico e científico por trás de sua decisão. Pena Podre podia perfeitamente ser um homem casado com cinco filhos e um cachorro. Podia ser um faxineiro. Podia, afinal, ser uma mulher, mesmo que Lisbeth não acreditasse nisso.

Ela queria simplesmente reduzir o número de nomes da lista e, com esta última decisão, sua amostra passara de quarenta e oito para dezoito pessoas. Constatou que ela se compunha em boa parte de repórteres importantes, chefes ou subchefes com mais de trinta e cinco anos de casa. Se não achasse nada de interessante entre eles, poderia facilmente ampliar a lista.

Às quatro da tarde, entrou no site da Hacker Republic e repassou a lista para Praga. Ele deu sinal de vida alguns minutos depois.

[18 nomes. O que é isso?]

[Um projetinho secundário. Considere como um exercício.]

[E?]

[Um dos nomes é de um canalha. Descubra quem é.] [Quais são os critérios?]

[Tem que ser rápido. Amanhã vão me desconectar. Você precisa descobrir isso antes.]

Ela fez um resumo da história do Pena Podre de Erika Berger.

[Certo. Eu ganho alguma coisa com isso?]

Lisbeth Salander pensou um pouco.

[Ganha. Não vou aparecer em Sundbyberg para tocar fogo na sua casa.]

[Você seria capaz?]

[Eu pago toda vez que te peço para fazer uma coisa para mim. Dessa vez não é para mim. Considere como retenção de impostos.]

[Você está começando a dar sinais de competência social.]

[E então?]

[Combinado.]

Ela lhe mandou os códigos de acesso à redação do SMP e saiu do ICQ.

Henry Cortez ligou às 16h20.

— Parece que estão começando a se mexer.

— Certo. Estamos prontos. Silêncio.

— Estão se despedindo na frente da porta. O Jonas está indo para o norte. A Lottie segue o Teleborian para o sul.

Mikael ergueu um dedo e apontou para Jonas, que ia passando na Vasagatan. Rosa Figuerola fez um sinal com a cabeça. Alguns segundos depois, Mikael também viu Henry Cortez. Rosa Figuerola ligou o carro.


__Atravessou a Vasagatan e está indo para a Kungsgatan — disse Henry Cortez pelo celular.

- Mantenha distância, ele não pode te ver.

- Fica frio, as ruas estão cheias de gente.

Silêncio.

— Ele está subindo a Kungsgatan no sentido norte. -— Kungsgatan, norte — disse Mikael.

Rosa Figuerola engatou a marcha e entrou na Vasagatan. Ficaram um instante parados no sinal vermelho.

— Onde é que vocês estão? — perguntou Mikael, quando eles entraram na Kungsgatan.

— Na altura da loja PUB. Ele está indo depressa. Atenção, está pegando a Drottninggatan no sentido norte.

— Drottninggatan, norte — disse Mikael.

— Certo — disse Rosa Figuerola, que fez um retorno proibido para passar pela Klara Norra e entrar rapidamente na Olof Palmes gata e parar em frente ao prédio da SIF. Jonas estava atravessando a Olof Palmes gata e se dirigia para a Sveavãgen. Henry Cortez o seguia do outro lado da rua.

— Ele virou para leste...

— Certo. Estamos vendo vocês dois.

— Está entrando na Hollândaregatan... Alô! Está me ouvindo? Carro. Audi vermelho.

— Carro — disse Mikael, e anotou o número da placa que Cortez informou correndo.

— Ele está estacionado em que direção? — perguntou Rosa Figuerola.

— De frente para o sul — relatou Cortez. — Vai aparecer na frente de vocês na Olof Palmes gata... agora.

Rosa Figuerola já estava em movimento e passou a Drottninggatan. Buzinou e fez sinal para que alguns pedestres que tentavam atravessar o semáforo no vermelho recuassem.

— Obrigado, Henry. Daqui para a frente a gente assume.

O Audi vermelho vinha descendo a Sveavãgen rumo ao sul. Rosa Figuerola o seguiu enquanto pegava o celular e teclava um número com a mão esquerda. .

— Eu queria uma pesquisa sobre o número de uma placa, Audi vermelho — disse ela, e passou o número fornecido por Henry Cortez. — Sim estou ouvindo. Jonas Sandberg, nascido em 1971. O que você disse?... j-[e] singõrsgatan, em Sollentuna. Obrigada.

Mikael anotou os dados obtidos por Rosa Figuerola.

Seguiram o Audi vermelho pela Hamngatan, pela Strandvàgen e em seguida pela Artillerigatan. Jonas Sandberg estacionou a um quarteirão do Museu do Exército. Atravessou a rua e desapareceu pela porta de um prédio estilo 1900.

— Humm — fez Rosa Figuerola, olhando para Mikael com ar entendido.

Ele assentiu com a cabeça. Jonas Sandberg acabava de entrar num edifício situado a apenas poucas ruas do prédio em que o primeiro-ministro emprestara um apartamento para uma reunião privada.

— Bom trabalho — disse Rosa.

Neste exato momento, Lottie Karim ligou contando que o Dr. Peter Teleborian subira a Klaragatan pela escada rolante da estação central e fora para o Palácio da Polícia em Kungsholmen.

— Palácio da Polícia. Às cinco da tarde de um sábado? — surpreendeu-se Mikael.

Rosa Figuerola e Mikael Blomkvist se olharam, céticos. Rosa refletiu concentradamente por alguns segundos. Então pegou o celular e ligou para o inspetor Jan Bublanski.

— Olá. É a Rosa, da Segurança. Nós nos vimos na Norr Malastrand algum tempo atrás.

— O que você quer? — perguntou Bublanski.

— Você tem alguém de plantão neste fim de semana?

— A Sonja Modig — disse Bublanski.

— Eu preciso de um favor. Você sabe se ela está em casa?

— Duvido. Está um dia lindo, e em pleno sábado à tarde...

— Certo. Você poderia tentar contatá-la, ou contatar alguma outra pessoa da investigação que pudesse dar uma olhada no corredor do procurador Richard Ekstrõm? Desconfio que pode estar havendo uma reunião na sala dele agora.

— Uma reunião?

— Não dá tempo de explicar. Eu precisava saber se ele está com alguém neste exato momento. E, se estiver, com quem.

— Você está me pedindo para espionar um procurador, e que é o meu chefe?

Rosa Figuerola fez uma careta. Então deu de ombros.

— Estou — respondeu.

— Está bem — disse ele ao desligar.

Sonja Modig encontrava-se mais perto do Palácio da Polícia do que Bublanski temia. Ela e o marido estavam tomando café na varanda da casa de uma amiga na Vasastan. Fazia uma semana que estavam sem os filhos, que os pais de Sonja tinham levado em uma viagem de férias, e ela e o marido tinham planejado fazer algo bem convencional, como comer alguma coisa num restaurante antes de irem ao cinema.

Bublanski explicou o que queria.

— E que desculpa eu vou dar para aparecer na sala do Ekstrõm?

— Eu tinha prometido entregar para ele ontem, antes de ir embora, uma atualização do caso Niedermann, mas me esqueci. A pasta está na minha sala.

— Certo — disse Sonja Modig.

Ela olhou para o marido e para sua amiga.

— Preciso dar um pulo no palácio. Vou pegar o carro e, se eu tiver sorte, estou de volta daqui uma hora.

Seu marido suspirou. Sua amiga suspirou.

— Afinal, estou de plantão — justificou Sonja Modig.

Ela estacionou na Bergsgatan, subiu até a sala de Bublanski e pegou as três folhas A4 que constituíam o parco resultado das investigações para encontrar Ronald Niedermann, o assassino de um policial. Nada de espetacular, pensou.

Foi até a escadaria e subiu um andar. Parou na frente da porta de acesso ao corredor. O Palácio da Polícia estava praticamente deserto naquele final de tarde de um lindo dia. Não procurou dissimular nada. Apenas caminhou bem devagar. Deteve-se diante da porta fechada de Ekstrõm. Ouviu o som de vozes e mordeu o lábio.

De repente, a coragem a abandonou e ela se sentiu muito tola. Em uma situação normal, teria batido, aberto a porta e exclamado: Ah, oi, você ainda está aí, e teria entrado. Naquele momento, no entanto, parecia impossível agir dessa forma.

Olhou ao redor.

Por que Bublanski tinha ligado para ela? Que reunião era aquela?

Dirigiu-se à salinha de reuniões em frente à sala de Ekstrõm, planejada para umas dez pessoas. Muitas vezes estivera ali para ouvir comunicados.

Entrou na sala e fechou a porta sem fazer barulho. As persianas estavam abaixadas, e as cortinas da janela de vidro que dava para o corredor, fechadas. A sala estava imersa na penumbra. Pegou uma cadeira, sentou-se e afastou uma das cortinas para obter uma fresta pequena que lhe permitisse observar o corredor.

Sentia-se pouco à vontade. Se alguém abrisse a porta, seria muito difícil explicar o que estava fazendo ali. Pegou o celular para ver as horas. Quase seis. Colocou o aparelho no modo silencioso, recostou-se na cadeira e ficou observando a porta fechada da sala de Ekstrõm.

Às sete da noite, Praga chamou Lisbeth Salander.

[Pronto. Já sou o administrador do SJVÍP.] [Onde?]

Ele baixou um endereço http.

[Em 24 horas não vai dar. Mesmo que a gente consiga todos os e-mails dos 18 homens, vai levar dias para piratear os computadores pessoais deles. A maioria provavelmente nem está conectada num sábado à noite.]

[Pragua, concentre-se nos computadores pessoais e eu cuido dos computadores do SJVÍP.]

[É o que eu tinha pensado. Seu computador de mão é meio limitado. Quer que eu foque alguém em especial?]

[Não. Qualquer um serve.]

[Certo.]

[Praga.]

[Sim.]

[Se a gente não achar nada até amanhã, quero que você continue.]

[Certo.]

[Nesse caso, eu vou pagar.]

[Que nada. Na verdade, estou me divertindo.]

Ela saiu do ICQ e entrou no endereço http em que Praga havia baixado todos os direitos de administração do SMP. Para começar, verificou se Peter Fleming estava conectado e se se encontrava na redação. Não estava. Lisbeth então usou seu login para entrar no servidor do correio eletrônico do SMP. Conseguiu acesso a um longo histórico, inclusive a e-mails deletados desde muito tempo das contas de usuários particulares.

Começou com Ernst Teodor Billing, quarenta e três anos, um dos chefes do SMP no turno da noite. Abriu seu e-mail e foi voltando no tempo. Demorou cerca de dois segundos em cada e-mail, só para ter uma idéia do remetente e do assunto. Passados alguns minutos, já apreendera a correspondência de rotina em forma de menus, planejamento e outras coisas sem nenhum interesse. Pulou essa parte.

Conferiu e-mail por e-mail num período de três meses. Em seguida, foi olhando de mês em mês, mas verificando apenas o assunto e só abrindo a mensagem se alguma coisa lhe chamava a atenção. Soube que Ernst Billing relacionava-se com uma certa Sofia, à qual se dirigia num tom desagradável. Constatou que não havia nada de estranho nisso, pois Billing tinha um tom desagradável com a maioria das pessoas com quem se comunicava — jornalistas, designers gráficos e outros. Achou incrível, porém, que vim homem pudesse se dirigir sem nenhum constrangimento à sua namorada chamando-a de balofa, sua abobada ou estúpida.

Depois de ver os e-mails de até um ano antes, ela parou. Entrou então no Explorer de Billing e analisou a maneira como ele navegava na internet. Observou que, como a maioria dos homens de sua faixa etária, ele acessava regularmente páginas pornográficas, mas que a maior parte de sua navegação parecia estar relacionada com o trabalho. Constatou também que se interessava por carros e visitava com freqüência sites que apresentavam novos modelos.

Depois de quase uma hora de exploração, encerrou a pesquisa sobre Billing e eliminou-o da lista. Passou para Lars Õrjan Wollberg, cinqüenta e um anos, jornalista veterano da editoria de Direito.

Torsten Edklinth chegou ao Palácio da Polícia, em Kungsholmen, por volta das sete e meia da noite de sábado. Rosa Figuerola e Mikael Blomkvist o aguardavam. Estavam sentados à mesa de reuniões que Blomkvist já conhecia desde o dia anterior.

Edklinth achava que tinha se aventurado sobre uma camada de gelo muito fina e que algumas regras internas haviam sido infringidas quando autorizara Blomkvist a entrar naquele corredor. Definitivamente, Rosa Figuerola não devia tê-lo convidado. Via de regra, nem mesmo as esposas e os maridos eram autorizados a pisar nos corredores secretos da Sapo — tinham de aguardar lá embaixo, na portaria, quando vinham visitar seus companheiros. E Blomkvist, ainda por cima, era jornalista! No futuro, Blomkvist só receberia permissão para entrar no escritório provisório da Fridhemsplan.

Por outro lado, pessoas não autorizadas também costumavam circular pelos corredores com um convite especial. Colegas estrangeiros, pesquisadores, professores universitários, consultores ocasionais... Ele podia incluir Blomkvist na categoria "consultores ocasionais". Afinal, essa história de classificação de segurança não passava de conversa-fiada. Sempre havia alguém para concluir que outro alguém podia ser considerado "pessoa autorizada". E Edklinth resolvera que, caso houvesse críticas, iria declarar que ele próprio incluíra Blomkvist entre as pessoas autorizadas.

Desde que o caso não enveredasse para o enfrentamento. Edklinth se sentou e fitou Rosa Figuerola.

— Como você soube dessa reunião?

— O Blomkvist me ligou lá pelas quatro da tarde — ela respondeu sorrindo.

— E você, como soube?

— Uma fonte me passou a dica — disse Mikael Blomkvist.

— Devo concluir que você colocou o Teleborian sob algum tipo de vigilância?

Rosa Figuerola negou com a cabeça.

— Foi o que eu também pensei no início — disse ela com voz alegre, como se Mikael Blomkvist não estivesse na sala. — Mas não faz sentido. Mesmo que alguém tivesse seguido o Teleborian a pedido de Blomkvist, esse alguém não tinha como deduzir de antemão que ele ia se encontrar justamente com o Jonas Sandberg.

Edklinth balançou a cabeça devagar.

— Então... o que mais pode ser? Escuta ilegal ou o quê?

— Posso garantir que não pratico escuta ilegal com quem quer que seja, nem sequer ouvi dizer que esse tipo de coisa poderia acontecer — disse Mikael Blomkvist, só para lembrar que estava presente na sala. — Seja um pouco realista. As escutas ilegais são competência do Estado.

Edklinth fez uma expressão melindrada.

— Quer dizer que você não vai me contar como soube desse encontro.

— Vou, sim. Já disse. Uma fonte me passou a dica. A fonte é protegida. E se a gente se concentrasse no resultado dessa dica?

— Não gosto de floreios — disse Edklinth. — Mas tudo bem. O que a gente tem?

— O cara se chama Jonas Sandberg — disse Rosa. — Diploma de mergulhador de combate, cursou a Escola de Polícia no início dos anos 1990. Trabalhou primeiro em Uppsala, depois em Sõdertálje.

— Você também esteve em Uppsala.

— E, mas nos desencontramos por questão de um ano ou dois. Eu entrei justamente quando ele foi para Sõdertálje.

— Certo.

— Ele foi recrutado pela contra-espionagem da Sapo em 1998. Em 2000, recolocado num posto secreto no exterior. De acordo com a nossa própria documentação, encontra-se oficialmente na embaixada de Madri. Verifiquei na embaixada. Não fazem a menor idéia de quem é Jonas Sandberg.

— A mesma coisa com o Mârtensson. Oficialmente, foi transferido para um lugar onde ele não está.

— Só o secretário-geral da administração tem condições de fazer regularmente esse tipo de coisa e dar um jeito para que funcione.

— Numa situação normal, isso seria explicado como uma confusão na papelada burocrática. Nós só percebemos porque estamos mexendo com isso. Se alguém insistir, eles vão simplesmente alegar sigilo ou que o caso tem a ver com terrorismo.

— Ainda temos um bocado de contabilidade para conferir.

— O chefe do orçamento?

— Pode ser.

— Certo. Que mais?

— Jonas Sandberg mora em Sollentuna. Não é casado, mas tem um filho com uma professora de Sõdertãlje. Não há nada que o desabone em lugar nenhum. Licença para porte de duas armas de fogo. Tranqüilo, não bebe. A única coisa que pega um pouco é ele ser crente; era seguidor da Palavra de Vida nos anos 1990.

— Como você sabe?

— Falei com o meu antigo chefe de Uppsala. Ele se lembra muito bem de Sandberg.

— Certo. Um mergulhador de combate cristão com duas armas e um filho em Sõdertãlje. Que mais?

— Faz só três horas que o identificamos. Até que a gente trabalhou bem rápido.

— Desculpe. O que se sabe sobre o prédio da Artillerigatan?

— Por enquanto, não muita coisa. O Stefan teve que recorrer a uma pessoa da prefeitura para consultar a planta do imóvel. E um prédio de direito cooperativo construído em 1900. Cinco andares, vinte e dois apartamentos ao todo, mais oito num edifício anexo no pátio. Investiguei os moradores, mas não achei nada muito fora do comum. Dois moradores têm passagem na polícia.

— Quem?

— Um tal de Lindstrõm, do térreo. Sessenta e três anos. Condenado por fraudar o seguro nos anos 1970. E um tal de Wittfelt, do segundo andar. Quarenta e sete anos. Condenado em duas ocasiões por violência contra a ex-mulher.

— Humm.

— As pessoas que moram ali são do tipo classe média bem-comportada. Só um apartamento chama a atenção.

— Qual?

— No último andar. Onze cômodos, tem todo o jeito de um apartamento para eventos. Pertence a uma empresa chamada Bellona S.A.

— Que faz o quê?

— Só Deus sabe. Eles fazem análise de marketing e têm um faturamento anual de mais de trinta milhões de coroas. Todos os donos da Bellona no exterior.

— Ahá.

— Como assim, ahá?

— Só isso, ahá. Continue com a Bellona.

Nesse instante, o funcionário que Mikael só conhecia pelo nome de Stefan entrou na sala e dirigiu-se a Torsten Edklinth.

— Olá, chefe. Achei um negócio engraçado. Verifiquei o que há por trás do apartamento da Bellona.

— E então? — perguntou Rosa Figuerola.

— A empresa Bellona foi fundada nos anos 1970 e comprou o apartamento dos herdeiros da antiga proprietária, uma tal de Kristina Cederholm, nascida em 1917.

— E?

— Ela era casada com Hans Wilhelm Francke, o caubói que criava caso com o P. G. Winge quando a Sapo foi fundada.

— Ótimo — disse Torsten Edklinth. — Ótimo. Rosa, quero que o prédio seja vigiado dia e noite. Encontre todos os telefones. Quero saber quem entra e quem sai, que carros que visitam o prédio. Enfim, a rotina.

Edklinth deu uma olhada para Mikael Blomkvist. Pareceu que ia dizer alguma coisa, mas desistiu. Mikael ergueu as sobrancelhas.

— Satisfeito com o volume de informações? — Edklinth acabou perguntando.

— Acho que não falta nada. E você, satisfeito com a contribuição da Millennium?

Edklinth balançou a cabeça devagar.

— Você se dá conta de como eu posso me encrencar por causa dessa história toda? — ele perguntou.

— Não por minha causa. Estou tratando toda informação que consigo aqui como protegida. Vou revelar os fatos, mas sem dizer como cheguei a eles. Antes de publicar, vou fazer uma entrevista normal com você. Se você não quiser responder, é só dizer: Sem comentários. Ou então você pode denegrir à vontade a Seção de Análise Especial. Você é quem sabe.

Edklinth fez um gesto de assentimento com a cabeça.

Mikael estava satisfeito. Em poucas horas, a Seção ganhara uma form concreta. Era um furo e tanto.

Frustrada, Sonja Modig se deu conta de que a reunião na sala do procurador Ekstrõm estava se estendendo demais. Achou uma garrafa de água mineral deixada por alguém na mesa de reuniões. Ligou para o marido duas vezes para avisar que ia se atrasar, e prometeu compensá-lo depois com uma noite bem bacana assim que chegasse. Começava a se impacientar e se sentia como um voyeur de plantão.

A reunião só terminou por volta das sete e meia. Sônia foi pega de surpresa quando a porta se abriu e Hans Faste saiu para o corredor. Logo atrás dele vinha o Dr. Peter Teleborian. Em seguida, um homem mais velho, grisalho, que Sonja Modig nunca tinha visto. Por fim surgiu o procurador Ekstrõm, vestindo o paletó enquanto apagava a luz. Em seguida fechou a porta a chave.

Sonja Modig ergueu o celular entre a fresta da cortina e tirou duas fotos de baixa resolução do grupo em frente à sala de Ekstrõm. Eles se demoraram alguns segundos antes de saírem pelo corredor.

Ela prendeu a respiração quando eles passaram pela sala onde ela estava escondida. Quando finalmente ouviu a porta da escada se fechando, percebeu que estava molhada de um suor frio. Ao levantar-se, tinha as pernas bambas.

Bublanski ligou para Rosa Figuerola pouco depois das oito da noite.

— Você queria saber se o Ekstrõm estava com alguém.

— Isso — disse Rosa.

— A reunião terminou neste momento. O Ekstrõm estava com o doutor Peter Teleborian, com um antigo colaborador meu, o inspetor Hans Faste, e com um homem mais velho que não conhecemos.

— Espere só um pouco — disse Rosa Figuerola, tapando o fone com a mão e virando-se para os demais: — A gente estava certo. O Teleborian foi direto para a sala do procurador Ekstrõm.

— Alô?

— Desculpe. Você tem uma descrição do desconhecido, do terceiro homem?

— Melhor que isso. Vou lhe mandar uma foto.

- Uma foto! Sensacional. Fico te devendo um favor e tanto.

— Eu faria até melhor se soubesse o que está acontecendo.

— Eu volto a te ligar.

Por um instante, o silêncio tomou conta da sala de reuniões.

— Certo — disse Edklinth por fim. — O Teleborian se encontra com a Seção e depois vai direto falar com o procurador Ekstrõm. Eu pagaria muito caro para saber sobre o que eles conversaram.

— Se quiser, pode perguntar para mim — sugeriu Mikael Blomkvist. Edklinth e Figuerola olharam para ele.

— Eles se encontraram para acertar os detalhes da estratégia que vai derrubar a Lisbeth Salander no julgamento, daqui a um mês.

Rosa Figuerola o fitou. Então meneou a cabeça devagar.

— Isso não passa de suposição — disse Edklinth. — A menos que você tenha dons paranormais.

— Não é uma suposição — disse Mikael. — Eles se encontraram para revisar os detalhes da avaliação psiquiátrica da Salander. O Teleborian tinha acabado de redigi-la.

— Isso é um absurdo. A Salander ainda nem foi examinada. Mikael Blomkvist deu de ombros e abriu a sacola de seu computador.

— O Teleborian nunca perdeu tempo com futilidades como essa. Aqui está a última versão da avaliação psiquiátrica dele. Como podem ver, a data é a da semana em que vai ter início o julgamento.

Edklinth e Figuerola olharam para os papéis à sua frente. Então trocaram um olhar e se viraram para Mikael Blomkvist.

— E como você conseguiu pôr as mãos nisso? — perguntou Edklinth.

— Lamento. Eu protejo as minhas fontes — disse Mikael Blomkvist.

— Blomkvist... A gente tem que confiar um no outro. Você está retendo informações. Você tem mais alguma surpresa desse tipo?

— Tenho. É claro que eu tenho os meus segredos. Assim como estou convencido de que você não me deu carta branca para ver tudo o que vocês têm aqui na Sapo. Não é?

— E diferente.

— Não. É exatamente igual. O nosso acerto significa colaboração. Como você disse, a gente tem que confiar um no outro. Não estou omitindo nada que possa ajudar sua investigação a traçar uma imagem da Seção ou detecta os diversos crimes que foram cometidos. Já entreguei um material provando que o Teleborian cometeu crimes com o Bjõrck em 1991 e avisei que ele vai ser chamado a fazer a mesma coisa agora. E aqui está o documento comprn_ vando que é verdade.

— Mas você guarda alguns segredos.

— É evidente. Você pode escolher entre encerrar a nossa colaboração ou se conformar.

Rosa Figuerola ergueu um dedo diplomático.

— Me desculpe, mas por acaso isso significa que o procurador Ekstrõm trabalha para a Seção?

Mikael franziu o cenho.

— Eu não sei. Tenho a impressão de que ele é mais um idiota útil manobrado pela Seção, isso sim. Ele é um carreirista, mas acho que é honesto, e meio tapado. Em compensação, uma fonte me contou que ele engoliu praticamente tudo o que o Teleborian falou sobre a Lisbeth Salander quando ela ainda estava sendo procurada.

— Você quer dizer que ele é fácil de se manipular?

— Exato. E o Hans Faste é um cretino que acha que a Lisbeth Salander é uma lésbica satanista.

Erika Berger estava sozinha em casa, em Saltsjõbaden. Sentia-se paralisada e incapaz de se concentrar em qualquer trabalho sério. Esperava que a qualquer momento alguém ligaria dizendo que havia fotos dela num site qualquer da internet.

Surpreendeu-se várias vezes pensando em Lisbeth Salander e se deu conta de que estava esperando demais dela. Salander estava trancafiada em Sahlgrenska. Não podia receber visitas e nem tinha o direito de ler os jornais. Mas era uma garota de muitos recursos. Apesar de seu isolamento, conseguira entrar em contato com Erika pelo ICQ, e depois por telefone. E, sozinha, fizera ruir o império de Wennerstrõm e salvara a Millennium dois anos antes.

Às oito da noite, Susanne Linder bateu à porta. Erika sobressaltou-se como se tivessem disparado um tiro na sala.

— Oi, Erika. Você parece mesmo angustiada, sozinha assim no escuro.

Erika assentiu com a cabeça e acendeu a luz. —- Oi. Vou fazer um café...

— Não. Deixe que eu faço. Alguma novidade?

Ah, claro. Lisbeth Salander deu notícias e assumiu o controle do meu computador. E ligou para dizer que o Teleborian e um sujeito chamado Jonas iam se encontrar hoje à tarde na estação central.

— Não, nada — disse ela. — Mas eu queria trocar uma idéia com você.

— Tudo bem.

— O que você acha da possibilidade de não se tratar de um assediador, e sim de alguém próximo a mim querendo me perturbar?

— Qual é a diferença?

— Um assediador é uma pessoa desconhecida que teria desenvolvido uma fixação por mim. A outra variante é alguém querendo se vingar ou sabotar a minha vida por motivos pessoais.

— E uma idéia interessante. De onde você tirou?

— Eu... eu conversei sobre o assunto hoje com uma pessoa. Não posso te dizer quem é, mas ela veio com a tese de que as ameaças de um autêntico pervertido sexual seriam de outro jeito. E, principalmente, que esse tipo de cara jamais teria escrito aquele e-mail para a Eva Carlsson, da Cultura. E um comportamento completamente fora do contexto.

Susanne Linder meneou a cabeça devagar.

— O que você está dizendo faz sentido. Sabe que eu ainda não li esses e-mails? Você me mostra?

Erika pegou seu laptop e abriu-o sobre a mesa da cozinha.

Ao saírem do Palácio da Polícia por volta das dez da noite, Rosa Figuerola deu carona para Mikael Blomkvist. Pararam no mesmo local do dia anterior, no parque de Kronoberg.

— Aqui estamos nós, no mesmo lugar. Você pretende sumir para trabalhar ou quer ir para a minha casa fazer amor?

— Bem...

— Mikael, não se sinta pressionado. Se você está precisando trabalhar, fique à vontade.

— Caramba, Rosa, você é mesmo viciada.

— E você não quer depender de ninguém. E o que você está querendo dizer?

— Não. Não desse jeito. Mas eu tenho que falar com uma pessoa hoje à noite, e vai levar um tempinho. Ou seja, até eu me liberar você já vai estar dormindo.

Ela balançou a cabeça.

— Até.

Ele beijou-a no rosto e começou a andar até o ponto de ônibus de Frid-hemsplan.

— Blomkvist! — ela gritou.

— O que foi?

— Eu não trabalho amanhã também. Se tiver tempo, venha tomar o café da manhã comigo.


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