13. TERÇA-FEIRA 17 DE MAIO
Na terça-feira, Rosa Figuerola acordou às seis e dez, fez um jogging puxado ao longo da Norr Mãlarstrand, tomou um banho e às oito e dez bateu o ponto no Palácio da Polícia. Passou a primeira hora da manhã redigindo um relatório com as conclusões a que chegara no dia anterior.
Às nove horas, Torsten Edklinth chegou. Ela esperou vinte minutos, para que ele tivesse tempo de abrir sua correspondência da manhã, e em seguida foi bater à sua porta. Esperou dez minutos enquanto seu chefe lia seu relatório. Ele leu duas vezes as quatro folhas A4 de ponta a ponta. Por fim, ele a fitou.
— O secretário-geral — disse, pensativo. Ela assentiu com a cabeça.
— Ele necessariamente deve ter aprovado a recolocação do Mârtensson. Por conseguinte, deve saber que o Mârtensson não está na contraespionagein, onde, de acordo com a Proteção à Pessoa, deveria estar.
Torsten Edklinth tirou os óculos, pegou um lenço de papel e limpou-os meticulosamente. Pôs-se a refletir. Estivera em reuniões com o secretário-geral Albert Shenke um número incalculável de vezes, mas não podia dizer que o conhecia bem. Era um sujeito relativamente baixo, de cabelos finos e loiro-arruivados, cuja cintura fora crescendo com o passar dos anos. Sabia que Shenke tinha pelo menos cinqüenta e cinco anos e que trabalhara na Sapo por pelo menos vinte e cinco, talvez mais. Era secretário-geral havia dez anos, antes disso fora secretário-geral adjunto ou ocupara outros cargos dentro da administração. Via Shenke como uma pessoa taciturna que não hesitava em recorrer à força. Edklinth não fazia idéia de como Shenke ocupava seu tempo livre, mas lembrava de tê-lo visto certo dia na garagem do Palácio da Polícia, vestido informalmente e carregando tacos de golfe no ombro. Também cruzara com Shenke na ópera uma vez, por acaso, muitos anos antes.
— Uma coisa me chamou a atenção — disse Rosa.
— Estou te escutando.
— Evert Gullberg. Ele fez o serviço militar nos anos 1940, depois virou um advogado especializado em assuntos fiscais e desapareceu nos anos 1950.
— Sim?
— Quando falamos nisso, falamos como se ele tivesse sido um matador de aluguel.
— Sei que pode parecer forçação de barra, mas...
— O que me chamou a atenção é que o passado dele, nos documentos, é tão tênue que parece quase fabricado. Nos anos 1950 e 1960, a Sapo, assim como o serviço secreto do Exército, estabeleceu unidades fora da matriz.
Torsten Edklinth meneou a cabeça.
— Eu estava me perguntando quando ia lhe ocorrer essa possibilidade.
— Preciso de uma autorização para entrar nos arquivos dos funcionários dos anos 1950 — disse Rosa Figuerola.
— Não — disse Torsten Edklinth, balançando a cabeça. — Não dá para entrar nos arquivos sem autorização do secretário-geral, e não queremos chamar a atenção antes de termos algo mais nas mãos.
— Então como a gente faz, na sua opinião?
— Mârtensson — disse Edklinth. — Descubra no que ele está trabalhando.
No seu quarto fechado a chave, Lisbeth Salander examinava cuidadosamente o sistema de ventilação quando ouviu a porta se abrir e o Dr. Anders Jonasson entrou. Passava das dez da noite de terça-feira. Ele interrompeu seus Projetos de fuga do Sahlgrenska.
Depois de medir a parte de ventilação da janela, constatara que conseguiria passar a cabeça e que não deveria encontrar muita dificuldade corri o resto do corpo também. Havia três andares entre ela e o térreo, mas uma combinação de lençóis rasgados com a extensão de três metros de uma lâmpada de apoio deveria resolver o problema.
Em pensamento, já planejara sua fuga nos mínimos detalhes. O problema eram as roupas. Estava usando calcinha e camisola do Conselho Geral e sandálias de plástico emprestadas. Tinha as duzentas coroas em dinheiro que Annika Giannini lhe dera para que pudesse pedir doces no quiosque do hospital. Era o suficiente para comprar uma calça jeans e uma camiseta no Fourmis, desde que conseguisse localizar o brechó em Gõteborg. O restante do dinheiro deveria ser suficiente para ela ligar para Praga. Depois, as coisas entrariam nos eixos. Ela cogitava aterrissar em Gibraltar poucos dias depois da fuga e a partir daí construir uma nova identidade em algum lugar do mundo.
Anders Jonasson fez um gesto de cumprimento com a cabeça e se sentou na poltrona dos visitantes. Ela fez o mesmo em sua cama.
— Olá, Lisbeth. Desculpe não ter tido tempo de vir visitá-la nesses últimos dias, mas me aprontaram horrores no pronto-socorro e, ainda por cima, fui indicado para servir como mentor de dois jovens médicos.
Ela assentiu com a cabeça. Não esperava que o tal Anders Jonasson lhe fizesse visitas pessoais.
Ele pegou a ficha dela e examinou com atenção o gráfico da temperatura e sua medicação. Observou que a temperatura tinha se estabilizado entre 37 e 37,5 graus e que, naquela semana, ela não precisara de analgésicos para a dor de cabeça.
— A sua médica é a doutora Endrin. Você se dá bem com ela?
— Ela é legal — respondeu Lisbeth sem muito entusiasmo.
— Tudo bem se eu examinar você?
Ela fez que sim com a cabeça. Ele tirou do bolso uma lanterna-caneta, inclinou-se sobre ela e iluminou seus olhos para verificar a contração das pupilas. Pediu que ela abrisse a boca e examinou a garganta. Em seguida, pos suavemente as mãos em seu pescoço e virou sua cabeça para a frente e para trás, e depois para os lados, várias vezes.
— Nenhum problema na nuca? — ele perguntou. Ela negou com a cabeça.
- E a dor de cabeça?
- Aparece de vez em quando, mas depois passa.
- O processo de cicatrização ainda não está completo. A dor de cabeça vai sumir aos poucos.
O cabelo dela ainda estava tão curto que ele só precisou afastar um pequeno tufo para apalpar a cicatriz acima da orelha. Não apresentava nenhum problema, mas ainda havia uma casquinha.
— Você andou cocando a ferida de novo. Pare com isso, está ouvindo? Ela concordou com a cabeça. Ele pegou seu cotovelo esquerdo e levantou-lhe o braço.
— Você consegue erguer o braço, sozinha? Ela ergueu o braço.
— Sente alguma dor ou incômodo no ombro? Ela fez que não com a cabeça.
— Ele não repuxa?
— Um pouco.
— Acho que você deveria trabalhar mais os músculos do ombro.
— Difícil, num quarto trancado. Ele sorriu.
— Isso não vai durar para sempre. Você está fazendo os exercícios que a fisioterapeuta indicou?
Ela assentiu com a cabeça.
Ele pegou o estetoscópio e encostou-o no próprio pulso para aquecê-lo. Depois, sentou-se na beirada da cama, desabotoou a camisola de Lisbeth, auscultou-lhe o coração e tomou seu pulso. Pediu que ela se inclinasse para a frente e colocou o estetoscópio em suas costas para auscultar os pulmões.
— Tussa. Ela tossiu.
— Certo. Pode abotoar a camisola. Clinicamente falando, você está mais ou menos recuperada.
Ela meneou a cabeça. Esperou que ele se levantasse, prometendo voltar a vê-la em alguns dias, mas ele permaneceu sentado na beirada da cama. Não ralou nada por um bom tempo, parecia refletir. Lisbeth aguardou pacientemente.
— Sabe por que eu me tornei médico? — ele perguntou de repente.
Ela fez que não com a cabeça.
— Venho de uma família de operários. Eu sempre quis ser médico. Na verdade, quando eu era adolescente queria ser psiquiatra. Eu era todo intelectual.
Lisbeth observou-o com uma súbita atenção assim que ele pronunciou a palavra "psiquiatra".
— Mas eu não tinha certeza se conseguiria terminar o curso. Por isso, depois do colégio, me formei como soldador e exerci essa profissão durante alguns anos.
Balançou a cabeça, como se para confirmar que o que dizia era verdade.
— Eu achava uma boa idéia ter um diploma no bolso para o caso de dar zebra no curso de medicina. E a diferença entre um médico e um soldador não é muito grande. Nos dois casos, trata-se de uma espécie de bricolagem. E atualmente trabalho aqui no Sahlgrenska consertando pessoas como você.
Ela franziu o cenho perguntando-se, desconfiada, se ele estava zoando com ela. Mas ele parecia absolutamente sério.
— Lisbeth... eu estava pensando...
Ele ficou calado tanto tempo que Lisbeth quase teve vontade de perguntar o que ele queria. Mas controlou-se e esperou.
— Eu estava pensando se você ficaria aborrecida se eu fizesse uma pergunta pessoal, íntima. Quero dizer, não como médico. Não vou anotar sua resposta e não vou comentar com quem quer que seja. Você não precisa responder se não quiser.
— O que é?
— É uma pergunta pessoal e indiscreta. O olhar dela cruzou com o dele.
— Na época em que internaram você na Sankt Stefan, em Uppsala, quando você tinha doze anos, você se negou a responder todas as vezes que um psiquiatra tentou falar com você. Como pode ser isso?
Os olhos de Lisbeth Salander escureceram um pouco. Ela fitou Anders Jonasson com um olhar sem emoção. Permaneceu calada por uns dois minutos.
— Por que está perguntando isso? — ela quis saber, por fim.
— Para ser sincero, não sei muito bem. Acho que estou tentando entender alguma coisa.
A boca de Lisbeth se contraiu ligeiramente.
- Não falo com os médicos de doidos porque eles nunca escutam o que eu digo.
Anders Jonasson assentiu com a cabeça e então, de repente, começou a rir.
— Está certo. Me diga... o que você acha do Peter Teleborian? Anders Jonasson soltara aquele nome de um jeito tão inesperado que Lisbeth quase se sobressaltou. Seus olhos se estreitaram um bocado.
— Que porra é essa? Uma pegadinha? O que você está querendo?
De repente, a voz dela soava como lixa. Anders Jonasson inclinou-se tanto em sua direção que estava quase invadindo seu espaço pessoal.
— E que um... como você disse mesmo?... um médico de doidos chamado Peter Teleborian, que não é exatamente desconhecido na minha área, tentou me convencer duas vezes, nesses últimos dias, a lhe dar uma oportunidade para te examinar.
Lisbeth sentiu de repente uma corrente gelada percorrer suas costas.
— O Tribunal de Instâncias vai designá-lo para fazer sua avaliação psíquica legal.
— E?
— Eu não gosto do Peter Teleborian. Não permiti que ele tivesse acesso a você. Na segunda vez, ele apareceu sem avisar e tentou entrar escondido, passando a conversa numa enfermeira.
Lisbeth cerrou a boca.
— O comportamento dele me pareceu meio estranho e insistente demais para ser normal. Por isso minha vontade de saber o que você acha dele.
Então foi a vez de Anders Jonasson esperar pacientemente que Lisbeth Salander se dispusesse a falar.
— O Teleborian é um canalha — ela respondeu afinal.
— Existe uma questão pessoal entre vocês?
— Pode-se dizer que sim.
— Também tive uma conversa com um sujeito lá de cima que, por assim dizer, gostaria que eu permitisse que o Teleborian tivesse acesso a você.
— E?
— Perguntei se ele tinha competência técnica para avaliar o seu estado e aí mandei ele se catar. Só que com termos um pouco mais diplomáticos.
— Certo.
— Só mais uma pergunta. Por que você está me dizendo tudo isso?
— Você é que perguntou.
— Sei. Mas eu sou médico e fiz psiquiatria. Então por que você está falando comigo? Devo deduzir que você confia um pouco em mim?
Ela não respondeu.
— Bem, prefiro interpretar assim. Saiba que você é minha paciente. Isso significa que trabalho para você e para mais ninguém.
Ela o fitou, desconfiada. Ele a observou em silêncio durante algum tempo. Então se pôs a falar em tom casual.
— Do ponto de vista médico, você está mais ou menos restabelecida. Só precisa de mais algumas semanas de convalescência. Infelizmente, você está ótima.
— Infelizmente?
— Sim. — Ele lhe endereçou um sorrisinho. — Definitivamente, você está bem até demais.
— O que está querendo dizer?
— Quero dizer que não tenho mais nenhum motivo para mantê-la aqui isolada e que a procuradora logo vai poder pedir sua transferência para uma casa de detenção em Estocolmo, até o julgamento, que deve ocorrer daqui a seis semanas. Na minha opinião, esse pedido deve ocorrer já na próxima semana. E isso significa que o Peter Teleborian vai ter a oportunidade de examinar você.
Ela ficou completamente imóvel na cama. Anders Jonasson pareceu aborrecido e se inclinou para ajeitar o travesseiro dela. Falou claro, como se estivesse pensando em voz alta.
— Você não tem mais dor de cabeça e está sem febre, é provável que a doutora Endrin lhe dê alta.
Ele se levantou de repente.
— Obrigado por ter falado comigo. Ainda venho te ver antes de você ser transferida.
Já estava na porta quando ela falou.
— Doutor Jonasson.
Ele se virou em sua direção.
— Obrigada.
Ele meneou brevemente a cabeça antes de sair e fechar a porta à chave.
Lisbeth Salander permaneceu um bom tempo com os olhos fixos na norta trancada. Por fim, deitou-se e olhou para o teto.
Foi então que descobriu que havia algo duro debaixo de sua nuca. Ergueu o travesseiro e teve a surpresa de ver um saquinho de pano que certamente não se encontrava ali antes. Abriu-o e descobriu, sem entender nada, um computador de mão Palm Tungsten T3 e um carregador de bateria. Então olhou melhor para o computador e percebeu uma ranhura na borda superior. Seu coração deu um salto. E o meu Palm! Mas como... Atônita, desviou o olhar para a porta trancada. Anders Jonasson era um homem cheio de surpresas. Ligou o computador, mas logo viu que ele estava protegido por uma senha.
Olhou, frustrada, para a tela que piscava impaciente. E como é que esses idiotas acham que eu vou... Então olhou para o saquinho de pano e descobriu, lá dentro, um pedaço de papel dobrado. Pegou-o, abriu e leu a linha escrita numa caligrafia caprichada.
Você não é a rainha dos hackers? Pois então descubra! Super B.
Lisbeth riu pela primeira vez desde várias semanas. Obrigada por pagá-la na mesma moeda! Refletiu alguns segundos. Então pegou a canetinha do Palm e escreveu a combinação 9277, que correspondia às letras WASP no teclado. Era o código que o Maldito Super-Blomkvist tinha sido obrigado a descobrir quando entrara no apartamento dela na Fiskargatan, em Mosebacke, para desativar o alarme.
Não funcionou.
Tentou o 78737, que correspondia às letras SUPER.
Também não funcionou. Era óbvio que o Maldito Super-Blomkvist queria que ela usasse o computador, portanto devia ter escolhido uma senha relativamente simples. Tinha assinado Super-Blomkvist, apelido que ele detestava. Ela fez algumas associações, refletiu um instante. Com toda certeza, envolveria alguma alfinetada. Teclou 3434, equivalente a FIFI.
O computador ligou suavemente.
Ainda teve direito a um emoticon sorridente munido de um balão.
[Está vendo? Não foi tão difícil. Proponho que você clique em Meus Documentos.]
Ela imediatamente encontrou o documento [Olá Sally] bem no alto da lista. Abriu e leu.
[Antes de mais nada: isto fica só entre nós. A sua advogada, ou seja, a minha irmã Annika, ignora por completo que você está com esse computador. Deve continuar sendo assim.
Não faço idéia de até que ponto você está a par do que se passa fora desse seu quarto trancado, mas saiba que estranhamente, apesar desse seu temperamento, alguns babacas cheios de lealdade estão trabalhando por você. Quando tudo isso acabar, vou fundar uma associação beneficente que vou chamar de Os Cavaleiros da Távola Biruta, cujo único objetivo será organizar um jantar anual em que a gente vai morrer de rir falando mal de você. (Não, você não será convidada.)
Bem. Vamos aos fatos. A Annika está se preparando para o julgamento. Um problema, nesse contexto, é que ela obviamente trabalha para você e é adepta dessa bobajada toda de integridade. Isso significa que nem comigo ela comenta o que vocês duas conversam, o que é meio limitador. Por sorte, ela aceita receber informações.
Eu e você precisamos estar de acordo.
Não use meu endereço de e-mail.
Eu talvez seja meio paranóico, mas tenho bons motivos para achar que não sou o único a consultar minha caixa postal. Se tiver alguma coisa para me enviar, entre no grupo Yahoo [Tavola-Biruta]. Login: Fifi e senha: I9i2f7i7.]
Lisbeth leu duas vezes a carta de Mikael e olhou, perplexa, para o computador de mão. Depois de um período de celibato informático absoluto, estava num estado de incalculável cibercarência. Achou que o Super-Blomkvist tinha mesmo raciocinado com os pés quando dera um jeito de lhe passar clandestinamente um computador, esquecendo por completo que ela precisava de um celular para acessar a rede.
Estava nesse ponto de suas reflexões quando escutou passos no corredor.
Jogou imediatamente o computador e enfiou-o debaixo do travesseiro. A chave estava girando na fechadura quando ela percebeu que o saquinho de e o carregador ainda estavam sobre o criado-mudo. Estendeu a mão, enfiou depressa o saquinho debaixo do cobertor, e prendeu o cabo e o carregador no meio das pernas. Estava comportadamente deitada, olhando para o teto quando a enfermeira da noite entrou, cumprimentou-a com gentileza e perguntou-lhe como estava e se precisava de alguma coisa.
Lisbeth falou que estava tudo bem e que só precisava de um maço de cigarros. O pedido foi gentil, mas firmemente recusado. Porém teve direito a um pacote de chiclete de nicotina. Quando a enfermeira tornou a fechar a porta, Lisbeth avistou o vigia da Securitas a postos em sua cadeira no corredor. Lisbeth esperou até escutar os passos se distanciando para pegar o computador de mão.
Ligou-o e tentou se conectar.
A sensação foi próxima de um choque quando o computador, de repente, indicou que tinha encontrado uma conexão. Uma conexão. Não é possível.
Ela pulou da cama tão depressa que sentiu uma explosão de dor no quadril machucado. Lançou um olhar abobalhado pelo quarto. Como? Deu uma volta devagar, examinando os mínimos recantos... Não, não há nenhum celular neste quarto. No entanto, estava conseguindo se conectar à rede. Então, um sorriso enviesado se espalhou em seu rosto. A conexão era necessariamente sem fio e estava sendo feita através de um celular com Bluetooth, que operava facilmente num raio de dez a doze metros. Seu olhar se dirigiu para a grade de ventilação no alto da parede.
O Super-Blomkvist havia plantado um telefone bem do lado do seu quarto. Era a única explicação possível.
Mas por que não trazer simplesmente o telefone para dentro do quarto... A bateria. Claro!
O seu Palm precisava ser recarregado mais ou menos a cada três dias. Um celular, que ela forçaria até o limite ao navegar, iria consumir rapidamente a bateria. Blomkvist, ou melhor, a pessoa que ele recrutara e que estava ali fora, devia carregar regularmente a bateria.
Em compensação, ele lhe fornecera, é claro, o carregador do Palm. Ela Precisava tê-lo à mão. Era mais fácil esconder e utilizar um objeto em vez de dois. O Super-Blomkvist, afinal, não era tão burro assim.
Lisbeth primeiro se perguntou onde poderia esconder o computador Precisava de um esconderijo. Além da tomada elétrica ao lado da porta, havia outra no painel atrás da cama, onde ficavam ligados a luz de cabeceira e o relógio digital. Como o rádio tinha sido tirado da cabeceira, havia ali uma cavidade. Ela sorriu. Tanto o carregador como o computador de bolso cabiam dentro dela. Podia usar a tomada do criado-mudo para deixar o computador carregando durante o dia.
Lisbeth Salander estava feliz. Seu coração batia disparado quando, pela primeira vez depois de dois meses, ligou o computador de mão e entrou na internet.
Navegar com um computador de mão Palm, uma tela minúscula e uma canetinha não era tão simples como surfar com um PowerBoolc e um monitor de dezessete polegadas. Mas ela estava conectada. Da sua cama no Sahlgrenska, podia alcançar o mundo inteiro.
Para começar, entrou num site que anunciava fotos relativamente desinteressantes de um fotógrafo amador chamado Bill Bates, em Jobsville, Pensilvânia. Um dia, Lisbeth tinha verificado e chegado à conclusão que Jobsville não existia. Ainda assim, Bates tinha tirado mais de duzentas fotos daquela localidade e as pusera em seu site em forma de pequenas abas. Foi passando pelas fotos até chegar ao número 167 e clicou na lente de aumento. A foto mostrava a igreja de Jobsville. Posicionou o cursor no topo do campanário e clicou. Imediatamente surgiu uma janela pedindo seu login e sua senha. Pegou a canetinha e escreveu Remarkable no campo do login e A(89) Cx#magnolia no da senha.
Abriu-se uma janela: [ERROR — You have the wrong password] e um botão [O.K. — Tryagain]. Lisbeth sabia que se clicasse em [O.K. — Try again] e tentasse outra senha, iria dar na mesma janela — podia tentar ano após ano ao infinito. Em vez disso, clicou na letra O da palavra [ERROR].
A tela ficou preta. Em seguida, abriu-se uma porta de animação e apareceu uma figura parecida com Lara Croft. Materializou-se um balão com os dizeres [WHO GOES THERE?].
Ela clicou no balão e escreveu a palavra Wasp. A resposta foi imediata: [PROVE IT — OR ELSE...] enquanto a Lara Croft animada soltava a trava de segurança de uma pistola. Lisbeth sabia que a ameaça não era de todo fictícia. Se escrevesse a senha errada três vezes seguidas, a página se apagaria nome Wasp seria riscado da lista dos membros. Escreveu com bastante cuidado a senha MonkeyBusiness.
A tela mudou novamente de forma e exibiu um fundo azul com o texto:
[Welcome to Hacker Republic, citizen Wasp. It is 56 days since your last visit. There are 10 citizens online. Do you want to (a) Browse the Fórum (b) Send a Message (c) Search the Archive (d) Talk (e) Get laid?]
Ela clicou em [(d) Talk], passou para o menu [Who's online?} e obteve uma lista com os nomes Andy, Bambi, Dakota, Jabba, BuckRogers, Mandrake, Pred, Slip, Sisterjen, Six Of One e Trinity.
[Hi, gang], escreveu Wasp.
[Wasp. That really U?], escreveu SixOfOne imediatamente.
[Look who's home.]
[Onde você andava?], perguntou Trinity.
[Praga falou que você estava com problemas], escreveu Dakota.
Lisbeth não tinha certeza, mas achava que Dakota era uma mulher. Os outros membros on-line, inclusive Sisterjen, eram homens. A Hacker Republic tinha ao todo (da última vez que ela se conectara) sessenta e dois membros, dos quais quatro eram mulheres.
[Olá, Trinity], escreveu Lisbeth. [Olá, todo mundo.]
[Por que você só dá olá para Trin? A gente não está atacado pela peste], escreveu Dakota.
[A gente já saiu junto], escreveu Trinity. [Wasp só freqüenta pessoas inteligentes.]
Ele imediatamente recebeu cinco vá se...
Dos sessenta e dois membros, Wasp se encontrara com dois na vida real. Um deles era Praga, que excepcionalmente não estava on-line. Trinity era o outro. Era inglês, residente em Londres. Dois anos antes, ela estivera com ele por algumas horas, quando ele a ajudara, e ao Mikael, na caçada a Harriet Vanger, instalando uma escuta telefônica clandestina no pacato subúrbio de St. Albans. Lisbeth estava se atrapalhando com a pouco prática canetinha eletrônica e lamentava não dispor de um teclado.
[Você ainda está aí?], perguntou Mandrake.
Ela marcou as letras, uma por uma.
[Sorry. Estou com um Palm. E meio lerdo.]
[O que houve com o seu computador?], perguntou Pred.
[O meu computador vai bem. Eu é que estou com problemas.]
[Conte aqui para o seu irmão mais velho], escreveu Slip.
[O Estado me mantém prisioneira.]
[O quê? Por quê?] A resposta veio, de imediato, de três membros.
Lisbeth resumiu sua situação em cinco linhas, que foram recebidas pelo que parecia ser um murmúrio de preocupação.
[Como você está?], perguntou Trinity.
[Estou com um buraco na cabeça.]
[Não estou vendo nenhuma diferença], constatou Bambi.
[Wasp sempre teve vento na cabeça], disse Sisterjen, antes de engatar uma série de fantasias pejorativas sobre as capacidades intelectuais de Wasp.
Lisbeth sorriu. A conversa foi retomada com uma réplica de Dakota.
[Esperem. Estamos diante de um ataque a um cidadão da Hacker Republic. Qual será nossa resposta?]
[Ataque nuclear sobre Estocolmo?], sugeriu SixOfOne.
[Não, seria um exagero], disse Wasp.
[Uma bomba em miniatura?]
[Vá se catar, SixOO.]
[Agente poderia apagar Estocolmo], sugeriu Mandrake.
[Um vírus que apaga o governo?]
Os cidadãos da Hacker Republic não costumavam espalhar vírus. Pelo contrário — eram hackers e, conseqüentemente, ferozes adversários dos idiotas que lançam vírus com o único objetivo de sabotar a rede e fazer naufragar computadores. Eram viciados em informação e queriam manter a rede funcionando para poder pirateá-la.
Em compensação, a proposta de apagar o governo sueco não era uma ameaça à toa. A Hacker Republic era um clube super exclusivo que contava com os melhores entre os melhores, uma força de elite a que qualquer Defesa Nacional teria pago somas colossais em troca de ajuda para objetivos ciber-militares, se é que the citizen podiam ser levados a nutrir uma lealdade desse tipo com um Estado. Não parecia provável.
Por outro lado, eles também eram computer wizards perfeitamente sintonizados com a arte da fabricação de vírus. Tampouco era difícil convencê-los a realizar campanhas especiais caso a situação exigisse. Anos antes, a patente de um citizen da Hacker Rep, um freelancer criador de softwares da Califórnia, tinha sido roubada por uma start-up, que ainda por cima tivera o atrevimento de levar o cidadão aos tribunais. Isso fizera com que todos os ativistas da Hacker Rep dedicassem, durante seis meses, uma energia considerável a piratear e destruir todos os computadores da empresa. Cada segredo comercial e cada e-mail — e também alguns documentos forjados, sugerindo que a empresa praticava fraude fiscal — eram alegremente exibidos na internet, assim como informações sobre a amante secreta do presidente da empresa e fotos de uma festa em Hollywood em que esse presidente aparecia cheirando cocaína. A empresa fora à falência em seis meses e, embora já tivessem transcorrido vários anos, alguns membros rancorosos da milícia popular da Hacker Republic continuavam assombrando o antigo presidente.
Caso cerca dos cinqüenta hackers mais eminentes do mundo decidissem se unir numa ofensiva conjunta contra um Estado, esse Estado provavelmente sobreviveria, mas não sem antes enfrentar problemas consideráveis. Os custos, sem dúvida, chegariam a bilhões se Lisbeth apontasse o polegar para cima. Ela refletiu um pouco.
[Por enquanto, não. Mas se as coisas não andarem do jeito que eu quero, talvez eu peça ajuda.]
[É só falar], disse Dakota.
[Faz tempo que a gente não perturba nenhum governo], disse Mandrake.
[Tenho uma proposta, a idéia geral é inverter o sistema de pagamento de impostos. Um programa feito sob medida para um país pequeno como a Noruega], escreveu Bambi.
[Muito bom, só que Estocolmo fica na Suécia], escreveu Trinity.
[E daí? Só o que a gente tem que fazer é...]
Lisbeth Salander se recostou no travesseiro e acompanhou a conversa com um sorrisinho. Perguntou-se por que ela, que tinha tanta dificuldade em falar de si mesma quando se via frente a frente com alguém, não tinha problemas em revelar seus segredos mais íntimos pela internet para um bando de malucos totalmente desconhecidos. O fato é que se Lisbeth Salander tinha alguma família e pertencia a algum grupo, era justamente a esse bando de loucos. Nenhum deles tinha de fato condições de ajudá-la em seus dissabores com o Estado sueco. Mas ela sabia que, se fosse preciso, gastariam um tempo e uma energia consideráveis em demonstrações de força bem pertinentes. Graças à rede da internet, ela também poderia achar esconderijos no exterior. Praga fora quem a ajudara a obter o passaporte norueguês em nome de Irene Nesser.
Lisbeth não tinha a menor idéia da aparência física dos cidadãos da Hacker Rep nem do que faziam fora da internet — os cidadãos eram particularmente vagos sobre suas identidades. SixOfOne, por exemplo, declarava-se um cidadão negro, do sexo masculino e de origem católica residente em Toronto, Canadá. Poderia também ser uma mulher, branca, luterana e residente em Skõvde, na Suécia.
Quem ela conhecia melhor era Praga — fora ele quem um dia a apresentara à família, e ninguém se tornava membro daquela sociedade exclusiva sem recomendações muito bem fundamentadas. Além disso, o novo membro tinha de conhecer pessoalmente outro cidadão — no caso de Lisbeth, era o Praga.
Na internet, Praga era um cidadão inteligente e socialmente talentoso.
Na verdade, era um trintão obeso e antissocial que recebia uma pensão por invalidez e vivia em Sundbyberg. Era óbvio que tomava banho de vez em quando e seu apartamento fedia. Lisbeth limitava ao máximo as visitas à casa dele. Freqüentá-lo na rede era mais que suficiente.
Enquanto o bate-papo prosseguia, Wasp ia baixando os e-mails de sua caixa postal da Hacker Rep. Um e-mail de Poison continha uma versão melhorada do seu programa Asphyxia 1.3, disponível nos arquivos a todos os cidadãos da república. O software Asphyxia permitia controlar o computador de outras pessoas via internet. Poison explicou que usara o programa com êxito e que sua versão melhorada cobria as últimas versões do Unix, do Apple e do Windows. Ela enviou uma resposta breve e agradeceu a atualização.
Na hora seguinte, enquanto a noite caía sobre os Estados Unidos, mais meia dúzia de citizens foi se conectando, dando as boas-vindas a Wasp e se envolvendo na discussão. Quando Lisbeth finalmente se retirou, o debate tratava da possibilidade de fazer com que o computador do primeiro-ministro sueco enviasse mensagens educadas, mas totalmente delirantes, para outros chefes de governo mundo afora. Criara-se um grupo de trabalho para aprofundar a questão. Lisbeth acabou oferecendo uma rápida contribuição com a ponta de sua canetinha.
[Continuem conversando, mas não façam nada sem a minha aprovação. Volto assim que eu puder me conectar.]
Todos mandaram "bjs, bjs" e recomendaram que cuidasse bem do buraco da sua cabeça.
Uma vez desconectada da Hacker Republic, Lisbeth entrou em [www. yahoo.com] e conectou-se ao newsgroup [Tavola-Biruta]. Descobriu que a usta de discussão comportava dois membros, ela própria e Mikael Blomkvist. Na caixa de entrada havia um único e-mail, enviado dois dias antes. O assunto era [Leia isto primeiro].
[Olá, Sally. A situação atual é a seguinte:
A polícia ainda não descobriu seu endereço e não teve acesso ao DVD do estupro do Bjurman. Esse DVD constitui uma prova de peso, mas não quer entregá-lo para a Annika sem sua autorização. Também estou com as chaves d seu apartamento e com o passaporte em nome de Irene Nesser.
Em compensação, a polícia está com a mochila que você levou para Gos seberga. Não sei se contém algo comprometedor.]
Lisbeth refletiu por um momento. Que nada. Uma garrafa térmica de café semi-vazia, umas maçãs e uma muda de roupa. Não havia com que se preocupar.
[Você vai ser processada por golpes e ferimentos agravados, seguidos de tentativa de homicídio contra Zalachenko, assim como golpes e ferimentos agravados contra Carl-Magnus Lundin, do MC Svavelsjõ em Stallarholmen — eles partem do princípio que você atirou no pé dele e deu um pontapé que quebrou seu maxilar. Uma fonte confiável da polícia, no entanto, informa que em ambos os casos as provas são um tanto vagas. É importante:
(1) Antes de o Zalachenko ser morto, ele negou tudo e afirmou que o Niedermann é que tinha atirado em você e te enterrado no mato. Ele deu queixa contra você por tentativa de homicídio. O procurador vai insistir no fato de que foi a segunda vez que você tentou matar o Zalachenko.
(2) Nem o Magge Lundin nem o Benny Nieminen disseram uma palavra sequer sobre o que aconteceu em Stallarholmen. O Lundin está detido pelo seqüestro da Míriam Wu. O Nieminen foi solto.]
Lisbeth refletiu sobre as palavras de Mikael e deu de ombros. Já havia conversado sobre tudo aquilo com Annika Giannini. Era uma situação ruim, mas até aí nada de novo. Com o coração na mão, ela relatara o que tinha acontecido em Gosseberga, porém sem entrar em detalhes sobre Bjurman.
[Durante quinze anos, o Zala foi protegido, independentemente do que ele aprontasse. Algumas carreiras se construíram em torno da importância que se dava ao Zalachenko. Algumas vezes, ajudavam a fazer uma limpeza depois que o Zala aprontava. Isso é crime. Ou seja, autoridades suecas ajudaram a ocultar crimes contra pessoas.
Se isso vier à tona, haverá um escândalo político que provavelmente irá atingir tanto governos de direita como social-democratas. Isso significa, antes de mais nada, que alguns altos funcionários da Sapo seriam jogados aos leões e apontados como responsáveis por atividades criminosas e imorais. Mesmo que os crimes individuais estejam prescritos, haverá escândalo. Trata-se de pesos-pesados que hoje estão aposentados, ou quase.
Eles vão fazer de tudo para reduzir os danos, e aí é que você de repente volta a ser um peão no jogo. Dessa feita, porém, não se trata de sacrificar um peão do tabuleiro — trata-se de eles reduzirem esses danos de maneira decisiva e por conta própria. Portanto, você vai acabar ficando sem saída.
Pensativa, Lisbeth mordeu o lábio inferior.
[A coisa funciona assim: eles sabem que não vão conseguir manter o Zalachenko em segredo por muito mais tempo. Eu sei da história e eu sou um jornalista. Eles sabem que mais cedo ou mais tarde eu vou publicar. Agora eles estão lutando é pela sobrevida deles. Por isso os seguintes pontos estão no topo da lista de prioridades deles:
(1) Eles precisam convencer o tribunal de grande instância (ou seja, a opinião pública) de que a decisão de internar você na Sankt Stefan em 1991 foi legítima — que você estava de fato psiquicamente perturbada.
(2) Precisam separar o "caso Lisbeth Salander" do "caso Zalachenko". Eles estão tentando se colocar em condições de afirmar que "Claro, o Zalachenko era um calhorda, mas isso nada teve a ver com a decisão de internar a filha dele. Ela foi internada porque era uma doente mental — qualquer afirmação diferente disso não passa de invencionices doentias de jornalistas amargurados. Não, não apoiamos o Zalachenko em nenhum crime; isso não passa de divagação ridícula de uma adolescente doente mental".
(3) O problema, portanto, é que se você for inocentada no próximo julgamento, o tribunal terá declarado que você não é louca, o que provará que sua internação em 1991 tinha algo de suspeito. Isso quer dizer que eles precisam condená-la a todo custo a um tratamento psiquiátrico numa instituição. Se o tribunal estabelecer que você é psiquicamente perturbada, a imprensa já não vai estar tão interessada em revolver o caso Salander. A imprensa funciona assim.
Você está acompanhando?
Lisbeth meneou a cabeça para si mesma. Já havia chegado a essas conclusões havia muito tempo. O problema é que ela não sabia muito bem como solver a situação.
Lisbeth — isso é sério —, esse jogo vai se dar na imprensa e não na sala de audiências. Infelizmente, por "razões de integridade", o julgamento vai ser a portas fechadas.
No dia em que o Zalachenko foi morto, meu apartamento foi assaltado. Não houve arrombamento nem mexeram em nada — com exceção de uma coisa. O dossiê que estava na casa de campo de Bjurman e que continha o relatório de 1991 do Gunnar Bjõrck desapareceu. No mesmo dia, minha irmã foi atacada e a cópia que ela tinha foi roubada. Esse dossiê é a sua prova mais importante.
Fingi que tínhamos perdido os documentos Zalachenko. Na verdade, tenho um terceiro exemplar, que eu ia passar para o Armanskij. Fiz várias cópias, que espalhei por aí.
Nosso adversário, que reúne algumas autoridades e alguns psiquiatras, também está tratando de montar o processo, é claro, com a ajuda do procurador Richard Ekstrõm. Tenho uma fonte que fornece algumas informações sobre o que está se tramando, mas imagino que você tenha mais condições de obter informações adequadas... Se for esse o caso, não temos muito tempo.
O procurador vai tentar fazer com que você seja condenada a uma internação psiquiátrica. Para isso, conta com o auxílio do seu velho amigo Peter Teleborian.
A Annika não vai poder se lançar numa campanha de imprensa no mesmo nível que o Ministério Público, que pode deixar vazar informações como bem lhe convém. Ou seja, ela está de mãos atadas.
Já eu, não estou preso por restrições desse tipo. Posso escrever rigorosamente o que quiser — e tenho, além disso, uma revista à minha disposição.
Faltam dois detalhes importantes:
(1) Primeiro, você precisaria de alguma coisa demonstrando que o procurador Ekstrõm está colaborando com o Teleborian de maneira indevida, e sempre com o objetivo de interná-la com os loucos. Eu queria poder aparecer no horário nobre da televisão e apresentar documentos acabando com os argumentos do procurador.
(2) Para poder sustentar uma guerra na imprensa contra a Sapo, preciso discutir em público coisas que você provavelmente considera de sua esfera privada. Desejar o anonimato a esta altura é meio que pedir demais, levando-se em conta tudo que foi dito na imprensa a seu respeito desde a Páscoa. Preciso ter condições de construir na mídia uma imagem sua inteiramente nova — mesmo que a seu ver isso represente uma agressão à sua intimidade —, e de preferência com o seu aval. Você entende o que eu quero dizer?]
Ela abriu a pasta [Tavola-Biruta]. Continha vinte e seis arquivos de tamanhos variados.